Será que este é um paraíso perdido? As Ilhas Canárias são simplesmente deslumbrantes. Mas
a fama delas se espalhou, e muitos moradores estão irritados com o excesso de turistas. Tanto
que dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o atual modelo de turismo.
Mas por que exatamente? Qual é o problema e como ele pode ser resolvido? E o que tudo isso
pode significar para quem pretende viajar para cá? Viemos até aqui para descobrir.
Tenerife é a maior das Ilhas Canárias. O arquipélago faz parte da Espanha e fica
perto da costa do Marrocos, no Oceano Atlântico.
Os primeiros turistas começaram a chegar no século 19. Eles vinham de barco,
e a viagem era longa e cara. Uma coisa que apenas poucos podiam se permitir na época.
O boom aconteceu na década de 1960, quando cada vez mais companhias aéreas começaram a voar
para o arquipélago. Desde então, o turismo se tornou uma importante fonte de renda.
Em 2023, um recorde de mais de 6,5 milhões de
turistas visitaram Tenerife. O que para muitos moradores, foi demais.
A infraestrutura não acompanhou o ritmo de crescimento do turismo. Na alta temporada,
o trânsito paralisa a ilha.
Estou indo para o sul de Tenerife,
o destino de muitos turistas. A região é famosa por suas praias.
Baías amplas como esta aqui na praia de La Tejita são típicas da costa sul de
Tenerife. A areia fina e escura revela um fato importante sobre as Canárias: que elas são ilhas
de origem vulcânica. O clima ameno durante o ano todo é o que atrai muitos turistas.
Olhando para o horizonte, este lugar é mesmo idílico, mas é só se virar
para o lado para ver esta obra enorme. Que deve atrair ainda mais turistas.
Essa é apenas uma das muitas obras no sul de Tenerife. Aqui vai ser
um hotel de luxo. É um projeto de investidores estrangeiros.
Mas a costa sul já está cheia de hotéis e acomodações turísticas. Mas as construções
não param, voltadas principalmente para o turismo. Para os quase 900 mil habitantes
de Tenerife, está cada vez mais difícil encontrar moradias a preços acessíveis.
Cerca de 40% das pessoas que vivem em Tenerife dependem do turismo. É
a principal fonte de renda da ilha. Aqui em La Laguna, conversei com o porta-voz
da iniciativa “Canarias se Agota”. O grupo defende limites para o turismo.
O turismo gera emprego e renda,
mas você diz que ele não traz bem-estar para os moradores de Tenerife. Por quê?
No ano passado, as Ilhas Canárias cresceram quase 4%,
gerando um PIB de 52 milhões de euros. Mas favelas estão se espalhando pelas ilhas.
Os salários estão estagnados, são os mesmos de 10 anos atrás. Mas o custo de vida aumentou,
incluindo o custo das moradias. Então, existe um desequilíbrio entre a riqueza criada,
que é enorme, e a distribuição dessa riqueza,
que não chega às classes trabalhadoras. Que são quem vive principalmente do turismo nas Canárias.
Qual é o objetivo? Que os turistas deixem de vir aqui?
Não, no início fomos acusados de turismofobia, essa palavra que estava tão na moda. Dissemos que,
na verdade, temos consciência de que as Canárias dependem do turismo, se especializaram nessa
atividade. O que estamos pedindo é que se transforme esse modelo em um modelo
mais sustentável. Um modelo sustentável do ponto de vista ambiental, social e econômico.
O que pode ser feito para evitar um colapso ainda maior?
Uma das reivindicações do grupo que represento é a moratória turística. Ou seja,
o que estamos propondo é que novas concessões para locais turísticos sejam paralisadas. E que,
nesse meio tempo, seja elaborada uma moratória para mostrar para onde estamos indo.
Víctor e seus aliados exigem que os interesses econômicos não venham em
primeiro lugar. Mas o lobby do turismo é poderoso.
Estou na Playa de las Américas,
o epicentro turístico de Tenerife. Foi aqui que tudo começou nas décadas de 1960 e 70.
Uma cidade turística foi construída perto do aeroporto, ao longo de 16
quilômetros de litoral. Aqui, os turistas encontram tudo o que precisam: hotéis,
lojas, restaurantes e uma praia enorme, com areia branca importada da África.
Las Américas é uma das áreas turísticas mais populares de Tenerife.
Do que você gosta na ilha?
É agradável, descontraída, limpa e acolhedora.
Há muitos restaurantes e bares. Tem bastante coisa para fazer.
Aqui é muito bom, o clima é bom.
Gostamos do sol, do clima agradável e da grande oferta de entretenimento noturno.
– Tem o mar, estamos no hotel logo ali.
Um lugar perfeito para se hospedar. – E os drinks são bons.
Mas os turistas também ficaram sabendo dos protestos contra o turismo em massa.
Este lugar parece ser feito especialmente para os turistas. Não vi ninguém daqui.
Não sei como é o resto da ilha, mas entendo que eles se incomodem com tantos turistas por aqui.
Acho que eles precisam do turismo para sobreviver.
Se todo mundo parasse de vir para cá, muitos lugares provavelmente fechariam.
Se minha cidade começasse a receber muitos turistas e eles
não respeitassem a cultura... O que às vezes acontece e causa problemas. Então,
entendo como eles se sentem. Esperamos não causar um impacto negativo na cultura aqui.
O que dizem os responsáveis?
Conversamos com Dimple Melwani, da Secretaria de Turismo de Tenerife.
Vimos protestos em massa aqui nas últimas semanas. O que você acha das reclamações?
Acho que os cidadãos estão pedindo que sejam resolvidos problemas que existem
nas Canárias em geral. Em Tenerife, eles estão preocupados principalmente
com questões de mobilidade e acesso à moradia. Problemas estruturais que precisamos resolver.
Eles não são contra o turismo, mas dizem que o modelo de turismo não está
beneficiando os cidadãos. Os principais problemas são mobilidade e moradia.
Se a infraestrutura é o problema, por que estão construindo mais hotéis
antes de adaptar a infraestrutura para acomodar o fluxo de turistas?
O número de leitos em hotéis não aumentou, na verdade, diminuiu se compararmos 2019
com 2023. Isso porque muitos estão sendo modernizados para atrair turistas com maior
poder aquisitivo, que disfrutem de uma experiência diferente, e para que isso
contribua para a economia. O turista aproveita não apenas o aumento dos gastos com turismo,
mas também a acomodação. O que precisamos melhorar, por exemplo,
é a promoção do transporte público, além de criar medidas voltadas para os moradores.
Como você vê o turismo aqui em 20 anos, por exemplo?
Vejo o setor de turismo, antes de tudo, ouvindo ativamente os cidadãos.
Acredito que é muito importante escutar os cidadãos e envolver
os diferentes atores de toda a cadeia de valor.
Vejo um modelo de turismo bem-sucedido, mas no qual devem existir premissas
importantes: uma é a sustentabilidade em suas três vertentes – econômica, social e ambiental –, que
realmente resulte em bem-estar, tanto para os moradores quanto para quem nos visita.
Essa coexistência harmoniosa parece ser algo distante. Hoje,
muitos moradores de Tenerife se sentem prejudicados e marginalizados.
Minha última parada é em El Puertito,
uma vila de pescadores, não muito longe do epicentro turístico no sul.
Mercedes vive aqui em uma casinha de madeira, porque seu salário não é suficiente para alugar
um apartamento. Guias turísticos dizem que esta vila é uma joia. Mas seus dias estão contados:
em breve, a vila vai desaparecer para dar lugar a um resort de luxo.
El Puertito é a minha vida. É um paraíso. É a coisa mais bonita que podemos ter,
porque não existem mais lugares assim em Tenerife. Foi construído por toda parte.
Moro aqui há 20 anos, e isso é tudo para mim. Se eu sair daqui, acho que vou entrar em depressão.
Mas parece que você vai mesmo ter que sair daqui...
Sim, temos que sair. Vou sair porque moro em uma casinha de madeira,
e a terra não é minha. Quando o proprietário chegar, seja quem for,
e me disser que preciso sair, eu vou sem problemas. Mas o que me incomoda é ver
devastarem uma área como essa para construir 420 casas de luxo. É isso que me incomoda.
Os moradores das Ilhas Canárias têm muitas boas razões para exigir uma transformação
do modelo atual de turismo. Eles querem proteger as ilhas que amam e viver uma vida
digna aqui. Mas o que ouvi várias vezes é que o turismo em si não é o problema,
mas sim seu crescimento descontrolado. Então, é claro que os turistas podem continuar vindo, mas,
como em qualquer outro lugar do mundo, precisam se lembrar de que são hóspedes na casa de alguém.