Spoiler:Hoje nós vamos fugir de polêmica, vamos falar do Afeganistão.
Muita gente pediu, gente, pra gente comentar, voltar a falar desses assuntos
lá no meu Instagram, inclusive, mandaram um monte de mensagem querendo entender
essa problemática que tá acontecendo agora nesse país lá do Oriente Médio.
Problema é o seguinte: isso é extremamente complexo.
Jornalista.
Analista de relações internacionais.
Produzindo um curso de política internacional.
Então a gente tem uma noção de que o que tá acontecendo extremamente difícil de explicar.
Começar falando de formação é problema, né?
Por que?
No Twitter se cê abre a boca pra falar de alguma coisa é:
"Fica quieto, cê não sabe o que você tá falando!"
Mas eu sou bacharel em relações internacionais!
"Tá dando carteirada!"
A gente tá dando carteirada justamente pra dizer o seguinte:
a gente tem compreensão da dificuldade do tema.
Até os especialistas...
quer dizer, princi...
Os especialistas tomam muito cuidado ao transitar nesse terreno.
Quem é atabalhoado, é porque não tem a menor noção do que está acontecendo lá
e acha que é uma coisa de gincaninha, ou eu torço pro EUA,
ou eu torço pra ex União Soviética, enfim.
Tem uma galera simplificando esse debate.
Deixando a gritaria de lado e falando claramente no que aconteceu.
A Guerra no Afeganistão, o engajamento naquela região do mundo, se tornou algo extremamente impopular nos EUA.
Era popular logo depois do 11 de setembro,
por isso que o Bush fez o que fez.
Ele tinha toda a legitimidade e apoio público para poder fazer esse tipo de coisa.
Só que os custos da Guerra para os EUA, tanto no Iraque quanto no Afeganistão,
passaram a ficar muito altos.
E a opinião pública se voltou contra o engajamento nesses dois países
e desde então, passando aí pelo Obama, passando também pelo Trump,
todo mundo que tinha a possibilidade de desengajar as forças Americanas,
de toda essa região do Oriente Médio, fez.
E agora o Biden tentou fazer na vez dele.
O grande problema é que ele não calculou o resultado disso tudo, obviamente.
Havia uma esperança dentro da administração dele de que o governo do Afeganistão,
aquele que foi estabelecido com auxílio americano,
que tinha tropas que eram auxiliadas pelos EUA,
que recebiam o equipamento americano e coisa do tipo.
Havia uma esperança de que esse governo ia conseguir frear o Talibã.
Que ele tinha condição de lutar sozinho.
Mesmo porque o Estados Unidos só tinha 2500 soldados alocados
na região naquele momento em que a decisão foi tomada.
O raciocínio do Biden foi: Se eu tirar essas tropas,
o que tá contendo até agora o avanço do Talibã
são as tropas do governo do Afeganistão.
então eles têm condição de lutar sozinhos.
Eles não anteciparam que há também todo um efeito psicológico do EUA está na região.
O Talibã tem que calcular, de forma muito mais cuidadosa,
onde ele vai atacar, o que que ele vai fazer.
Porque ele sabe, se ele explode uma base aí com um monte de soldado americano morre aos 100,
a opinião pública dos Estados Unidos se volta contra eles
e passa a ser politicamente viável e desejável nos EUA por um governante
mandar um monte de tropa pro Afeganistão.
Isso colocava um limite de fato no que o Talibã tava fazendo.
Só que com a saída das tropas Americanas,
aí meu amigo, não tem o que pare.
Porque o Talibã tem, não só a capacidade de combate,
eles são bem armados.
E eles já dominavam parcela considerável do Afeganistão
mas eles também tem o Moral das tropas.
Porque o governo do Afeganistão é totalmente coberto por corrupção, nada funciona direito.
E também as tropas também tão bem menos dispostas a dar a vida pela causa do que os talibãs tão.
Sim, gente, teve investimento americano no início da formação do Talibã.
É resultado da briga intervencionista do imperialismo da época da guerra fria ainda.
E é uma região que vem sendo explorada,
que vem sendo alvo de conflito e dessa bagunça por parte de ocupação europeia,
por parte de ocupação americana, tudo isso, claro, influencia.
Ninguém tá tirando a culpa dos Estados Unidos,
ou tirando a culpa da União Soviética, eu tirando a culpa da religião, de jeito nenhum!
O que me incomoda muito nessa discussão é a gincaninha.
É a galera que odeia os Estados Unidos
e para atacar os Estados Unidos acaba celebrando uma vitória do Talibã
que é um grupo religioso que apedreja mulher!
Então a gente tá diante dessa catástrofe humanitária
e gente defendendo bandeira política nesse cenário.
Não tem bandeira política que supere, que se coloque acima da questão humanitária
quando a gente vê um grupo fundamentalista desse assumindo o poder de um país como o Afeganistão.
E a gente tá vendo agora o debate, principalmente dentro da esquerda,
existe uma esquerda mais antiga que tem toda essa discussão da luta anti-imperial,
anti-capitalista, coisa do tipo.
E tem uma nova esquerda que é uma esquerda dos movimentos identitário.
Você tem ai o movimento feminista,
você tem a movimento negro, você tem movimento LGBT.
Existe um conflito entre essas duas e se vê nesse tipo de discussão.
Porque existe uma esquerda dessa mais tradicional, que hoje até mais radical,
que tá celebrando e a vitória do Talibã porque é a luta anti-imperialista.
E tem uma esquerda, claro, identitária que tá falando assim:
Que que você quer? Apedrejamento público de homossexuais?
Já tenha nas cidades em que o Talibã já controlava, tipo assim,
mulher só pode sair de busca acompanhada por um homem da família.
Então a esquerda agora tá nesse debate, as pessoas precisam se definir.
Mas eu vou dizer uma coisa.
Águas passadas passaram, tá?
A gente sabe o que que o Estados Unidos fez, como a cia
foi uma das coisas que criou o movimento dos mujahidine dentro do Afeganistão.
Que deu origem também ao Talibã,
não todos viraram o Talibã,
teve outras forças, tinha uma força de resistência no norte uma coisa do tipo assim, enfim.
A gente sabe tudo isso que aconteceu, só que vamos falar do momento agora.
Qual que seria a melhor saída pro Afeganistão?
Ficar do jeito que tava com governo mesmo que corrupto
mas garantindo certas liberdades.
Tinha até prefeita mulher no Afeganistão.
A primeira prefeita mulher, a mulher falou que tá lá agora que tá esperando pra morrer.
Tá, tá apavorada.
O que que é preferir isso, tá, com intervenção americana.
Com o imperialismo, o que que você quiser chamar.
Ou um país agora em que uma crise humanitária vai ser gerada,
direitos vão ser negados a torto e a direito,
em que mulheres vão ser apedrejadas...
Homossexuais serão assassinados.
Serão assassinados, tá?
E lá se, você sabe como é que funciona justiça nesse lugares,
acusação basta, tá.
Basta uma fofoca, o seu vizinho que não gosta de você...
Essa mulher é adúltera.
Acabou.
Enterra até a cabeça e apedreja, é assim que funciona!
É isso que eu não entendo em determinadas pessoas agora
reivindicando coisas que aconteceram lá atrás
como se mitigassem o desastre humanitário que vai ser um governo Talibã.
E não só isso, gente, vamos parar de vestir essa coisa de time.
A galera falando: "Ai mas o Biden errou..."
É porque tem uma galera que acha assim: eu sou progressista liberal,
então: "Biden é do meu time, quem não é o do meu time?
O Trump, então eu critico o Trump e eu passo um pano...
Vamo.. ai ele errou..." Não!
Deixa eu te falar, o Biden ele... não existe isso.
Deixa eu te falar, nos Estados Unidos essa linha principal do partido Democrata,
do qual o Biden vem, não tô falando da galera mais marginalizada dentro do partido,
tipo Ocasio e Sanders não, tá, não essa galera.
Essa linha principal do partido democrata.
A diferença entre eles e os conservadores republicanos é tipo de 10%,
e 90% eles são iguais, eles concordam com a mesma coisa.
Quando for popular entrar num país chutando a porta pra poder invadir,
eles vão fazer, quando for impopular eles vão sair.
Custe o que custar, gere a crise humanitária de gerar.
É lógico que, se você puser Trump e Biden, eu vou optar pelo Biden.
É lógico que a gente tá comparando uma situação entre
alguém que pelo menos trânsito na racionalidade, vai vacinar o povo americano e vai defender vacina.
E um outro cara que tava falando para injetar alvejante na veia da galera.
Nós não estamos dizendo que são coisas iguais,
foi ótimo trampo ter perdido e tudo mais.
Mas no pensamento conservador do Partido Republicano, é isso que o Leon tá querendo dizer,
existem linhas que são muito coincidentes a
linhas dentro da parte que o Biden representa dentro dos democratas.
A gente tem que entender que em política externa a variação entre os dois partidos,
principalmente questão de segurança, é muito pequena.
Se você voltar na guerra do Iraque, o Bush invadiu,
a Hillary votou a favor,
vários democratas votaram a favor.
Porque a guerra era popular.
Quando for popular, eles vão concordar, não interessa se é Republicano ou Democrata, cê vai fazer.
Quando for impopular você vai tentar sair.
A gente tá falando isso para você dosar a complexidade do negócio.
Não dá pra encarar nenhuma política, nem a interna nem a externa,
achando que é um clube de gincaninha.
Existe o pragmatismo, existe toda uma
uma série de interesses que determinam rumos e decisões.
Todo governante, principalmente um liberal democrata,
ele tem toda essa agenda liberal progressista, na maior parte das vezes, doméstica, né?
Ele é a favor do direito dos homossexuais.
Eles são mais a favor do direito das mulheres, pelo menos que os republicanos.
Tem várias coisas progressistas que ele fala,
em termos de inclusão racial e coisa do tipo.
Olhando para dentro da casa dele.
Olhando para dentro, mas quando viram um assunto de política externa
é interesse nacional, é interesse americano.
Ele não tá na mesma página que você, ele não tá na mesma página que ninguém.
Contanto que, o Biden, ele não assumiu culpa pelo que aconteceu.
Que que ele fez? Ele dobrou.
Deram o truco nele, pediu seis.
O que ele disse foi: que era isso mesmo que tinha que fazer,
e se o pessoal do Afeganistão não quer lutar a guerra deles eles que não iriam lutar.
Ignorando toda a representatividade que existe dos EUA estarem lá dentro.
"Vai ter uma crise humanitária!" Paciência,
não é nosso problema ema ema ema.
E eu vou te dizer uma coisa, tá todo mundo revoltado.
Domesticamente, vai ter um monte de republicano que vai usar isso pra atacar ele.
Que é fraqueza, que é não sei o quê.
Mas eu vou te dizer, não vai ser completamente impopular essa ação dele.
E se...
Dentro dos Estados Unidos.
Dentro dos Estados Unidos porque tem muita gente que fala assim:
"A gente não tem mais que se envolver com esse povo
pra que que a gente tá morrendo para salvar muçulmanos", sabe?
É desse nível, pra que a gente tá morrendo pra salvar árabe.
Não vai ser totalmente impopular, e se o Talibã nos próximos anos,
até a próxima eleição, não virar um Isis,
que vai começar a fazer ataque terrorista fora e coisa do tipo.
Ficar só matando a galera localmente.
Os EUA não vão mover uma palha.
Não vai mover uma palha, e eu vou te dizer,
não vai ter custo político nas eleições pros democratas.
Esse é o motivo pros Estados Unidos saírem,
pro povo afegão é um abandono, é um desamparo.
Leva tempo mesmo para você sair do lugar onde o Talibã governava
e as mulheres eram oprimidas...
Pós-guerra, né? País destruído pela guerra.
Pra ter uma prefeita eleita.
Leva muito tempo para você construir isso.
As primeiras gerações de meninas que nasceram no pós-guerra estavam entrando na faculdade agora, gente.
Os professores agora se despedindo das alunas que não vão concluir os cursos.
Prazo de liberdade, de construção dessa liberdade para mulher, principalmente,
foi muito curto! Não deu para construir as instituições.
E agora é uma situação foi fragmentada, o povo...
Aquele desespero do povo de escalar um avião,
Tentar subir no avião em movimento mostra pra gente qual é a alternativa.
Os caras se dispõe a morrer acompanhando um avião
e a se pendurar no avião porque a realidade na terra é muito pior.
Existem pessoas que se tornaram figuras públicas ali que tão agindo
em meios que são mais liberalizantes.
Essas pessoas vão ser perseguidas.
Nesse cenário acontece essas coisas muito estranhas assim,
de vizinho entregando vizinho.
Um vizinho ou quer se livrar de uma acusação ou quer ganhar um favor
do representante lá do Talibã que tá mandando no bairro dele agora.
Ele vai e entrega alguém.
"Esse cara aí as filhas dele trabalhava não sei onde da prefeitura."
"Não pode, ele deixou."
Vai ter julgamentos públicos sumários, entendeu,
de gente que se engajou em atividade que o Talibã considera pecaminosa.
E mesmo quem não se engajou porque assim basta uma acusação.
Se você teve uma rixa, uma rivalidade com o vizinho
e esse vizinho tiver uma abertura, um parente dentro do governo,
você tá lascado!
Não é o estado de direito!
Você não tem mais direito.
Você não tem mais nada.
Eu vi uma mulher falando que ela tava engavetando todas as conquistas dela,
incinerando as conquistas dela, escondendo as conquistas dela
porque agora ela era uma escrava.
Ela entendia que ela ia virar uma escrava.
A gente não consegue compreender a dimensão dessa tragédia
porque é tão fora do nosso universo
que a gente tenta se esforçar para imaginar
mas a gente não consegue imaginar o pavor que essas pessoas estão vivendo agora.
É aquele medo do que que o seu vizinho vai falar de você, sabe?
Olha, gente, a gente tem que deixar uma coisa bem clara para vocês,
se vocês tem ainda alguma ilusão de como é que o mundo funciona.
Do mesmo jeito que o Trump abandonou os curdos
à própria sorte para ser atacado pelos turcos, e coisas do tipo, lá na Síria.
Eles foram obrigados a se juntar com Assad né para ter alguma proteção.
Ainda bem que teve isso porque senão ia ser uma crise humanitária ainda maior.
O Biden tá fazendo a mesma coisa com os afegãos agora.
Aí quando perguntam para ele ele diz: "É isso mesmo!"
Ele não vai assumir o erro, ele vai dizer: "É isso que a gente queria, não tem porquê a gente se sacrificar."
Ele vai retomar aquele discurso que existe inerte na alma americana de:
"Nós somos as pessoas civilizadas, não tem porque a gente se desgastar por esse selvagens.
A gente deu a chance para eles, de poderem se modernizar
e eles que não quiseram." Ele vai abraçar esse discurso
e ele vai abandonar as pessoas à própria sorte.
Quando é assunto de política externa nos Estados Unidos,
você tem que ter uma coisa, não existe essa
de time Progressista Liberal contra conservador.
Quando é política externa, é interesse nacional.
É o Estados Unidos contra todo mundo.
Único interesse com qual eles se preocupam é com o deles.
A gente não pode ser ingênuo de colorir as coisas de tons pastéis, entendeu?
A coisa não é tom pastel, essa é a realidade.
Cê tem que olhar para realidade e entender como funcionam as coisas, como qualquer dinâmica.
E no Afeganistão agora não tem absolutamente nada que possa ser feito.
O único jeito...
de acontecer alguma coisa com o Talibã
é se eles fizerem uma coisa como fez em 2001.
De apoiar um grupo terrorista, né,
dar abrigo pra um grupo terrorista que ataque uma grande potência.
Fora isso, eu acho que nenhuma potência tem absolutamente nenhum interesse de
ajudar qualquer pessoa daquela região.
A gente vai ter agora uma crise humanitária.
Quem conseguiu fugir pros países vizinhos, fugiu.
As outras pessoas vão ter que viver no comando agora do Talibã.
Não adianta romantizar a coisa.
O que existe ali é basicamente barbárie.
É uma barbárie movida pelo radicalismo religioso.
Que a gente no Brasil não consegue entender.
A nossa realidade não contempla todo o terror
e todo absurdo que acontece em nome de religião numa situação desse tipo.
É inacreditável que a gente esteja vivendo isso agora.
Gente, deixa eu falar pra vocês,
Meu primeiro semestre de faculdade foi quando teve ataque de 11 de Setembro.
Eu entrei na faculdade em julho, 11 de setembro as torres caíram e o mundo mudou.
A minha vida de adulto foi vivida nesse universo.
e com a cabeça nele porque foi a área que eu estudei
aonde eu tenho... onde está minha expertise.
Não tenho o que dizer, sabe?
Calcula-se foram 10 mil soldados americanos,
americanos que morreram, não só soldados.
Mais de 200 mil pessoas, alguns números de 250 mil como efeito disso.
Tem gente que calcula até mais por conta de dispersão de pessoas,
fome e coisas do tipo, como efeito dessa guerra.
A gente vai voltar pra um cenário pré11 de setembro no Afeganistão
com o Talibã mandando em tudo.
Parece assim, a gente saiu daqui...
Gastou-se, deu-se uma volta.
Não, não, trilhões, né?
Vidas, trilhões...
Centenas de milhares e a gente voltou para cá.
Não tem solução pra quem tá no Afeganistão, só fugir.
Não tem como, gente.
Por favor, celebrar o Talibã?
Não...
Porque a... porque a CIA...
Não, agora sabe?
No Twitter agora.
Você é uma menina andando na rua do Afeganistão...
Pensa nisso antes de falar alguma coisa.
youtu.be/_oc-i_QNIrs
(...)
Reportagem numa época em que muita gente nem sabia o que era Afeganistão, no ano em que o Talibã acabou se estabelecendo:
SBT Repórter 1996 | Roberto Cabrini mostra o drama da população no Afeganistão
youtu.be/-HP5fW9--wU