A incrível história do “Ronaldinho dos negócios”
Texto do Mário Sabino
“É sempre uma alegria ouvir falar de Lulinha, o filho mais velho do companheiro Lula. Ele surgiu para o mundo lá se vão vinte anos, quando eu era redator-chefe da Veja. Era outro mundo, mas Lulinha continua o mesmo.
O nome do filho mais velho do presidente da República apareceu no âmbito das investigações sobre as fraudes perpetradas no INSS contra aposentados e pensionistas. Uma testemunha na investigação disse à PF que Lulinha teria recebido do Careca do INSS o equivalente a R$ 25 milhões, além de uma mesada de R$ 300 mil. O rapaz nega tudo e avisou que vai processar quem o acusa.
A testemunha também afirmou à PF que Careca e Lulinha viajavam juntos às expensas do fraudador. Há prova de que ambos estavam na 1ª classe de um avião da Latam que os levou de São Paulo para Lisboa, em 8 de novembro do ano passado, como publicou o colega André Shalders, da coluna de Andreza Matais.
Eu disse que Lulinha continua o mesmo, porque há sempre quem insista em associá-lo ao recebimento de boladas formidáveis, não exatamente fruto de trabalho árduo.
Ele surgiu para o mundo depois que a Veja revelou, em 2005, que Lulinha, monitor de zoológico até dois anos antes, era sócio de uma empresa de produção de conteúdos de jogos eletrônicos, a Gamecorp, que havia levado uma baba de dinheiro da Telemar/Oi, concessionária de telefonia pública.
Entre investimentos, contratos de serviços e de publicidade, a Telemar/Oi repassou, entre 2004 e 2016, R$ 132 milhões ao que se tornou o grupo Gamecorp/Gol. Essa dinheirama teria sido transferida a uma empresa de porte idêntico cujo sócio não fosse filho de Lula?
Desde o início, levantou-se a desconfiança de que tudo era pagamento por vantagens regulatórias, como a aprovação da fusão da Oi com a Brasil Telecom, que viria a ocorrer em 2008. Em outras palavras, remuneração por tráfico de influência. Mas nada ficou provado na base do batom na cueca, com o perdão do meu francês.
Em 2019, Lulinha também seria investigado pela Lava Jato, como suposto financiador de reformas no famoso sítio de Atibaia. O caso acabou arquivado.
A História é uma Istória, como dizia Millôr Fernandes, e antes de publicarmos a primeira reportagem sobre o incrível sucesso do filho do presidente, Lula telefonou para a Veja, pedindo para que não a chamássemos na capa da revista, porque a sua mulher, Marisa, morreria de desgosto. Fizemos esse favor.
Lulinha, no entanto, continuou na mira dos repórteres da Veja. Pouco tempo depois, a sucursal de Brasília descobriu que o filho do presidente mantinha parceria com um lobista brasiliense.
Ao ser comunicado sobre a nossa apuração, o Palácio do Planalto tanto fez para que a revista não publicasse a segunda reportagem sobre Lulinha, que ela permaneceu engavetada durante meses.
Até que Lula deu uma entrevista à Folha. Indagado pelos repórteres do jornal sobre a carreira empresarial fulgurante do filho mais velho, o presidente disse que não tinha culpa de Lulinha ser um “Ronaldinho dos negócios”.
A declaração que soou cínica foi a gota d’água para que nós, editores da revista, finalmente publicássemos, no final de 2006, em plena campanha presidencial, a reportagem sobre a parceria de Lulinha com o lobista. Dessa vez, na capa. Roberto Civita, dono da Veja, chegou a ter fibrilação cardíaca, já antecipando o problemão que isso causaria.
De fato, entre outras delicadezas endereçadas a nós, a Veja foi acusada de ter publicado a reportagem para tentar evitar a reeleição de Lula. A verdade é que só não o fizemos antes porque o próprio Lula fez pressão para que a segurássemos.
Agora, temos Lulinha no noticiário outra vez. Mas a alegria que ele costuma nos proporcionar será ainda mais efêmera, porque o jornalismo mudou para pior e o rapaz mudou-se para Madri, em meados deste ano, a pretexto de prestar consultorias para empresas espanholas.” (…)