Se "pobre de direita é burro", o que dizer do rico de esquerda?
O pobre de direita não é burro, ele é doutrinado. A doutrinação independe da renda, ela depende da cultura (mas somente até um certo ponto). O pobre de direita certamente apoia medidas que o prejudicam, assim como o fiel fanático se autossabota ao destinar a maior parte de seu ganho ao pagamento de dízimos, mas isso não quer dizer que ele o faça por burrice.
Acredito que a maioria das pessoas se crê mais inteligente do que é. No mínimo, se crê acima da média o suficiente para conseguir "explorar o sistema" e tirar vantagens dos outros. De certa forma, a burrice é uma manifestação da falta de ética. Vou explicar.
Antigamente era comum o golpe do bilhete de loteria premiado. Um espertalhão se aproximava de uma vítima e o convencia de que tinha em mãos o bilhete premiado da loteria, mas que não podia receber o prêmio em seu nome por alguma razão (era procurado pela polícia, tinha dívidas em execução judicial, não queria que a família soubesse etc.).
Por isso o espertalhão se propunha a vender o bilhete à vítima por um preço muito abaixo do prêmio. Em geral o golpe envolvia, também, o espertalhão dizer que não sabia exatamente quanto ganhara. Nesse caso, se a vítima sabia ou acreditava saber, ele se propunha a vender o bilhete por um valor irrisório. Assim, sendo o prêmio real da ordem de R$ 50 mil (por exemplo), o espertalhão "inocente" dizia estar disposto a vender por R$ 5 mil.
As pessoas que caíam nesse golpe e perdiam o dinheiro ao comprar um pedaço de papel sem valor (que poderia ser um bilhete forjado ou, mais comum, um bilhete sem prêmio nenhum) não o faziam porque eram burras, mas porque acreditavam que tinham encontrado alguém burro ou ignorante, ou alguém encrencado que "não tinha escolha" a não ser entregar o prêmio por uma fração do valor real. As pessoas que caíam nesse golpe inicialmente pensavam que tinham se aproveitado da ingenuidade ou dos apuros de outra pessoa.
Cair nesse golpe indicava uma falha de caráter, aliada a um excesso de autoconfiança que fazia a vítima se acreditar mais esperta que a média.
O pobre de direita padece da mesma falta de caráter.
Ele acredita que seria ideal um sistema de saúde privatizado porque cada um poderia "poupar" para os momentos de necessidade, pagando menos impostos ao governo malvadão. Ele não se importa com os que ganham menos, com os que têm familiares portadores de doenças crônicas (que obviamente não poderão poupar, mesmo que ganhem bem) ou com as pessoas que adoecem cedo, antes de terem conseguido fazer a independência financeira. O seu ganho imediato (pagar menos impostos) e a sua confiança na própria esperteza (vai conseguir poupar e fazer sua independência para a "velhice" — que é somente quando vai "precisar") o fazem apoiar uma proposta que é nociva à sociedade como um todo.
Este foi um exemplo didático porque extremo.
O rico de esquerda é alguém que acredita que pode colocar o próprio trabalho a serviço dos necessitados. Antigamente esse tipo de atitude era estimulado pela religião cristã. O bom cristão supostamente deveria "servir ao próximo", "dar esmolas", "fazer caridade", "ser um filantropo" etc. Hoje em dia, não. Parece que mudou o mandamento da religião, agora o certo é perguntar se "acaso sou eu o guarda de meu irmão?"
Pobre pode ser de direita? - Luiz Felipe Pondé
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