Com vacinação mais avançada das Américas, Chile vê queda drástica de casos e começa reabertura
País já planeja vacinar crianças menores de 12 anos e avalia reforço com a terceira dose, diante do risco maior representado por variantes do coronavírus
Com 71% de sua população vacinados com ao menos uma dose e 61,4% com as duas, o Chile tem a campanha de vacinação anti-Covid mais avançada das Américas, quando se considera a imunização completa. É também um dos mais adiantados do planeta, à frente da União Europeia, do Reino Unido e de Israel, por exemplo. Não é à toa que o país vê hoje seu menor número de diagnósticos diários desde o ano passado.
As novas infecções caíram 78,9% desde 9 de junho, quando os chilenos atravessavam um de seus momentos mais críticos na pandemia. Nesta semana, pela primeira vez em quase oito meses, nenhuma parte da Região Metropolitana de Santiago está sob quarentena, enquanto os chilenos já vacinados receberam na quinta-feira o sinal verde para viajar ao exterior.
A melhora é similar à do Uruguai, onde 60,4% da população já recebeu as duas doses. Ambos usam maciçamente a vacina chinesa Sinovac, que no Brasil ficou conhecida como CoronaVac. No caso do Chile, ela corresponde a mais de três quartos de todas as injeções aplicadas.
Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, a melhora é indissociável da imunização em massa, e inocular tanta gente com tamanha rapidez deve-se, principalmente, a um governo rápido na compra de doses, um sistema de saúde primária eficiente e organizado e à conscientização popular.
Se no Brasil os chamados sommeliers de vacina dão o que falar, indo de posto em posto até encontrarem as doses que consideram "melhores", o exemplo chileno mostra que a melhor dose é aquela que está disponível. Os inoculantes têm diferenças entre si, mas todos cumprem seu papel-chave: evitar casos graves, mortes e a sobrecarga do sistema de saúde.
— O presidente Bolsonaro comparou a Covid-19 a uma gripezinha. O objetivo da vacina é fazer com que ela seja, de fato, uma gripezinha — afirmou o professor Gabriel Cavada, epidemiologista da Universidade do Chile. — E é inegável que elas têm surtido efeito.
Mortes caem em menor ritmo
Dos 2,3 mil chilenos vacinados com as duas doses da CoronaVac que fizeram parte da fase 3 de um estudo da Universidade Católica divulgado no último dia 15, apenas 45 contraíram Covid-19. Três deles precisaram ser internados, e nenhum morreu em um período de seis meses.
Um outro estudo constatou que as duas injeções conseguiram impedir internações e mortes em, respectivamente, 85% e 80% dos casos. A capacidade de evitar casos sintomáticos, no entanto, ficou na casa dos 67%.
Tanto no Chile quanto no Uruguai, a aproximação do marco de 60% da população vacinada com as duas injeções parece ter sido um ponto de virada. Para os especialistas, contudo, é precipitado tirar conclusões até que mais pesquisas sobre o assunto sejam concluídas.
No Chile, as mortes também diminuem, mas em ritmo menor: hoje morrem em média 80 pessoas por dia, 40% a menos que no último dia 8. Para Cavada, esse atraso explica-se em parte pelo tempo de incubação da doença e seu ciclo — deve-se esperar cerca de um mês para que a tendência de mortes comece a refletir a mudança no número de casos.
Para o professor da Universidade de Santiago do Chile Claudio Castillo, no entanto, a discrepância pode ser relacionada às variantes atualmente predominantes no país: a Gama, que apareceu em Manaus no ano passado, e a Lambda, originária dos Andes. As pesquisas, contudo, ainda são incipientes.
Crianças e 3ª dose
Castillo cita como exemplo um estudo publicado pela revista médica Lancet no início do mês, concluindo que anticorpos de vacinados com CoronaVac teriam dificuldade para neutralizar a Gama. Isso não significa que a vacina não surta efeito, mas que a mutação provavelmente aumenta a probabilidade de reinfecção.
Assim, discute-se no Chile a mistura de doses ou a necessidade de uma terceira injeção para reforçar a resposta imunológica. Além da CoronaVac, o país também usa, em menor quantidade, injeções da Pfizer-BioNTech, da Oxford-AstraZeneca e a dose única da chinesa CanSino. Na quinta, os adolescentes de 14 anos começaram a ser vacinados e, até o meio de setembro, a expectativa é inocular crianças com menos de 12 anos.
Outro fator é que há confiança popular na vacina, além de órgãos sanitários autônomos e independentes. Medidas que facilitaram a vacinação no horário de trabalho e o acesso às doses também ajudaram a acelerar, segundo autoridades locais. Ainda assim, há cerca de 2 milhões de pessoas que ficaram para trás na campanha de vacinação.
Passe de mobilidade
Para Cavada, o passe de mobilidade implementado pelo governo teve um impacto positivo para aumentar a procura por doses no último mês. O documento, dado a quem já foi completamente inoculado, facilita o deslocamento dos já vacinados e alivia as restrições — vantagens que vêm convencendo cada vez mais recalcitrantes. E, com a reabertura, o passe assume um papel ainda mais central.
Pela primeira vez em quase oito meses, nenhuma das 52 comunas da região metropolitana de Santiago está na fase mais draconiana do plano Passo a Passo, que traça as regras para o desconfinamento chileno de acordo com os dados epidemiológicos de cada região.
Na etapa atual, não há mais quarentena e viagens inter-regionais passaram a ser permitidas. Pessoas com o passe de mobilidade podem frequentar espaços fechados de academias e restaurantes, por exemplo, e cinemas com ocupação reduzida.
O governo anunciou ainda que permitirá, a partir do dia 26, a viagem ao exterior de chilenos e residentes vacinados. Em seu retorno, contudo, precisarão fazer um rígido isolamento obrigatório de 10 dias, além de testes PCR. Quem testar positivo, por sua vez, precisará ir para hotéis sanitários.
Todos ficarão sujeitos à fiscalização e, se descumprirem as regras, poderão ser multados em até 50 milhões de pesos (R$ 345 mil) e ter seu passe de mobilidade cancelado. As fronteiras continuarão fechadas para estrangeiros não residentes.
A retomada das viagens, diz Castillo, era um motivo de debate em meio ao risco da disseminação da variante Delta. O temor é que os viajantes tragam consigo a cepa, que até o momento não tem transmissão comunitária constatada no país. O risco é um aumento de casos similar ao visto na Europa, na Ásia e nos EUA:
— Ainda que nós tenhamos uma grande parcela da população vacinada, o nosso sistema de detecção e rastreio continua muito aquém dos padrões internacionais — afirmou. — Sem que ele seja melhorado, o risco de reabrir as fronteiras pode ser grande.
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