O caráter intelectual dos teóricos da conspiração
Enviado: Sáb, 14 Março 2020 - 21:52 pm
O caráter intelectual dos teóricos da conspiração
Pensadores ruins
Por que algumas pessoas acreditam em teorias da conspiração? Não é apenas quem ou o que elas conhecem. É uma questão de caráter intelectual.
Conheça Oliver. Como muitos dos seus amigos, Oliver pensa que ele é um especialista sobre o 11 de setembro. Ele dedica muito do seu tempo livre lendo sites de conspiração e sua pesquisa o convenceu que os ataques terroristas em Nova York e Washington, DC, em 11 de Setembro de 2001 foram uma armação interna. Os impactos das aeronaves e o fogo criado não poderia ter causado o colapso das Torres Gêmeas do World Trade Center. A única explicação viável, defende ele, é que agentes do governo plantaram explosivos antecipadamente. Ele reconhece, claro, que o governo acusa a Al-Qaeda pelo 11/9, mas sua resposta previsível é pura Mandy Rice-Davies: eles diriam isso, não diriam?
Evidências de pesquisas sugerem que a visão de Oliver sobre o 11/9 não são de modo algum pouco usuais. De fato, teorias peculiares sobre todo tipo de coisas estão por toda parte agora. Há teorias da conspiração sobre a AIDS, a ida a Lua de 1969, OVNIs, e o assassinato de Kennedy. Às vezes, teorias da conspiração se relevam verdadeiras — Watergate realmente foi uma conspiração — mas a maioria das vezes são tolices. Elas são de fato ilustrações vívidas de uma verdade chocante sobre seres humanos: não importa quão inteligentes e eruditos possamos ser de outras formas, muitos de nós ainda acreditam nas coisas mais estranhas. Você pode encontrar pessoas que acreditam que foram abduzidas por aliens, ou que o Holocausto nunca aconteceu, e que o câncer pode ser curado pelo pensamento positivo. A enquete Harris Poll 2009 descobriu que entre 1/5 e 1/4 dos americanos acredita na reincarnação, na astrologia ou na existência de bruxas. Basta dar o nome e provavelmente há alguém por aí que acredita nisso.
Você percebe, é claro, que a teoria de Oliver sobre o 11/9 tem pouco a seu favor, e isso faz você se perguntar por que ele acredita nela. A questão “Por que Oliver acredita que o 11/9 foi uma armação interna?” é apenas uma versão mais geral da questão colocada pelo cético dos EUA, Michael Shermer: por que as pessoas acreditam em coisas estranhas? Quanto mais estranha a crença, mais estranho parece que alguém possa tê-la. Perguntar às pessoas por que elas acreditam em coisas não é como perguntar por que elas acreditam que está chovendo enquanto elas olham para a janela e veem chuva caindo lá fora. É óbvio por que as pessoas acreditam que está chovendo quando elas veem evidências fortes, mas está longe de óbvio por que Oliver acredita que o 11/9 foi uma armação interna quando ele tem acesso a evidências fortes de que não foi uma armação.
Quero argumentar a favor de algo que é controverso, embora eu acredite que é também intuitivo e de bom senso. Meu argumento é: Oliver acredita no que acredita porque esse é o tipo de pensador que ele é, ou, para colocar sem rodeios, porque há algo errado com o modo como ele pensa. O problema com os teóricos da conspiração não é, como o acadêmico Cass Sunstein argumenta, que eles tenham pouca informação relevante. O problema chave para no que eles acabam acreditando é como eles interpretam e respondem à vastas quantidades de informação relevante disponíveis a eles.
Normalmente, quando filósofos tentam explicar por que alguém acredita em coisas (estranhas ou não), eles focam nas razões daquela pessoa ao invés dos seus atributos de caráter. Nessa visão, o modo de explicar por que Oliver acredita que o 11/9 foi uma armação é identificar as razões dele para acreditar nisso e a pessoa que está na melhor posição para lhe contar suas razões é o próprio Oliver. Quando você explica a crença de Oliver dando as razões dele para a crença, você está fornecendo uma “explicação racionalizante” para a crença dele.
O problema com essas explicações racionalizantes é que elas só avançam até certo ponto. Se você perguntar a Oliver por que ele acredita que o 11/9 foi uma armação ele irá, claro, ficar muito feliz em lhe dar suas razões: tinha que ser uma armação, insiste ele, porque impactos de aeronaves não poderiam ter derrubado as torres. Ele está errado sobre isso, mas de toda forma essa é a história dele e ele a está mantendo. O que ele fez, com efeito, é explicar uma das suas crenças questionáveis tendo como referência outra crença tão questionável quanto. Infelizmente, isso não nos diz nada sobre por que ele tem qualquer uma dessas crenças. Há um sentido claro no qual nós ainda não sabemos o que realmente está acontecendo com ele.
Agora vamos dar um pouco mais de corpo para a história de Oliver: suponha que ele acredita em muitas outras teorias da conspiração além do 11/9. Ele acredita que o homem nunca pisou na Lua, que a Princesa Diana foi assassinada pelo MI6 e que o virus Ebola é uma arma biológica que escapou. Aqueles que o conhecem bem dizem que ele é facilmente enganado e você tem evidência independente que ele é descuidado com seu pensamento, com pouco entendimento sobre as diferenças entre evidência genuína e especulação sem fundamento. De repente tudo começa a fazer sentido, mas apenas porque o foco mudou das razões de Oliver para o seu caráter. Agora você pode ver as visões dele sobre o 11/9 no contexto da sua conduta intelectual em geral e isso abre a possibilidade de uma explicação diferente e mais profunda da sua crença do que a que ele fornece: ele pensa que o 11/9 foi uma armação porque ele é de certa forma ingênuo, crédulo. Ele tem o que os psicólogos chamam de “mentalidade de conspiração”.
Perceba que o caráter da explicação proposta não é uma explicação racionalizante. Afinal de contas, ser ingênuo não é uma razão para se acreditar em nada, embora ainda possa ser o motivo pelo qual Oliver acredita que o 11/9 foi uma armação. E embora possa se esperar que Oliver saiba suas razões para acreditar que o 11/9 foi uma armação, ele é a última pessoa a reconhecer que ele acredita no que acredita sobre o 11/9 porque ele é ingênuo. É a natureza de muitos traços de caráter intelectual que você não perceba que você os possui e portanto não está ciente da verdadeira extensão que seu pensamento é influenciado por eles. Os ingênuos raramente acreditam que são ingênuos e os de mente-fechada não acreditam que são mente-fechada. A única esperança de superar a auto-ignorância nesses casos é aceitar que outras pessoas — seus colegas de trabalho, sua esposa, seus amigos — provavelmente sabem seu caráter intelectual melhor que você. Mas mesmo isso pode não necessariamente ajudar. Afinal, pode ser que se recusar a escutar o que outras pessoas dizem sobre você seja um dos seus atributos intelectuais. Alguns defeitos são incuráveis.
Ingenuidade, descuido e mente-fechada são exemplos do que a filosofa americana Linda Zagzebski, no seu livro Virtues of the Mind (1996), chamou de “vícios intelectuais”. Outros incluem a negligência, ociosidade, rigidez, obtusidade, preconceito, falta de rigor e insensibilidade para os detalhes. Atributos de caráter intelectual são hábitos ou estilos de pensar. Descrever Oliver como ingênuo ou descuidado é dizer algo sobre seu estilo intelectual ou mentalidade — por exemplo, sobre como ele tenta encontrar coisas sobre eventos como o 11/9. Atributos de caráter intelectual que auxiliam a investigação efetiva e responsável são virtudes intelectuais, enquanto vícios intelectuais são atributos de caráter intelectual que impedem a investigação efetiva e responsável. Humildade, cautela e cuidado estão entre as virtudes intelectuais que Oliver simplesmente carece, e é por isso que as tentativas dele de chegar até o fundo do 11/9 são tão falhas.
Oliver é imaginário, mas exemplos do mundo real de vícios intelectuais atuando não são difíceis de encontrar. Considere o caso do “bombardeiro submerso” Umar Farouk Abdulmutallab, que tentou explodir um voo de Amsterdam a Detroit em 2009. Abdulmutallab nasceu em Lagos, Nigeria, numa família de país educados e afluentes, graduou-se no University College de Londres com um diploma em engenharia mecânica. Ele foi radicalizado por sermões online do militante islâmico Anwar al-Awlaki, que foi depois morto por um ataque de drones americanos. É difícil não ver o fato de que Abdulmutallab foi tomado pelos sermões de Awlaki é em parte um reflexo do seu caráter intelectual. Se Abdulmutallab tivesse o caráter intelectual para não ser enganado por Awlaki, então talvez ele não teria acabado em um avião transatlântico com explosivo nas calças.
Explicações de caráter intelectual para crenças questionáveis são mais controversas do que se imagina. Por exemplo, foi sugerido que explicar o mau comportamento das pessoas ou crenças estranhas por referência ao seu caráter nos faz mais intolerantes para com eles e menos empáticos. Mas essas explicações podem ainda assim estar corretas, mesmo que elas tenham consequências ruins. De toda forma, não é óbvio que explicações de caráter deveriam nos fazer menos tolerantes com as fraquezas das outras pessoas. Suponha que Oliver não consiga fazer nada sobre ser o tipo de pessoa que cai em teorias da conspiração. Isso não deveria nos fazer mais tolerantes diante dele e suas crenças, ao invés de menos?