A Bíblia permite (e manda) matar

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Re: A Bíblia permite (e manda) matar

Gigaview
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Mensagem por Gigaview »

criso escreveu:
Qua, 14 Abril 2021 - 18:48 pm
Gigaview escreveu:
Qua, 14 Abril 2021 - 18:00 pm
criso escreveu:Kkkk inventar uma interpretação espiritual de um texto que é espiritual?
Só é espiritual porque um ser humano atribuiu espiritualidade a ele, ou seja, inventou. Não existe o "espiritual" na Natureza. Isso é uma criação humana.
Só é poético porque um ser humano atribuiu poeticidade a ele, ou seja, inventou. Não existe o "poético" na Natureza. Isso é uma criação humana.
Logo, eu devo ler o soneto de Camões como se ele estivesse querendo dizer que amor = reação química de oxidação de material combustível.
Percebe a estupidez e circularidade do argumento? É óbvio que inexiste poeticidade na natureza. Potencial poético é uma dimensão humana.
E, como Camões é um ser humano, e um ser humano poeta, seu texto está imbuído desta intenção, ele tem um teor chamado teor poético.
Logo, se você não lê um poema de modo poético, você simplesmente lê errado, porque quem o escreveu o escreveu enquanto poesia.
Do mesmo modo, existem textos imbuídos de teor espiritual, os quais partem de uma dimensão humana chamada de espiritualidade.
Se estes textos foram escritos partindo de um ponto de vista espiritual, existe um ponto de vista correto para lê-los: o espiritual.
Ler um texto religioso como se fosse outra coisa que não um texto religioso, é simplesmente leitura ruim, é ler errado mesmo.
Não estou dizendo que as pessoas não podem se emocionar com poesia, música, arte, etc. Não é necessário ficar inventando significados para essas coisas, os significados são transmitidos culturalmente de forma direta ou indireta através de gerações, ou até geneticamente em algum tipo de sensibilidade. Pessoas ficam felizes escutando uma orquestra, não é preciso explicar a elas significados. Apesar disso, poesia, música, arte, etc não existem na Natureza, o que existe é a emoção humana e ela depende de pessoa para pessoa porque somos diferentes. A ação de provocar emoções é um mecanismo complexo e envolve dentre outras coisas associações de idéias que resultam de processos mentais que acontecem no cérebro. Mudando a química desses processos é possível emocionar sem a ação provocadora do pensamento, por exemplo, é possível matar uma pessoa de tanto rir fazendo ela inalar um gás sem ter nada engraçado para rir ou provocar uma crise de depressão acertando a dosagem de uma droga para fazer a pessoa morrer de tristeza sem ela ser de fato infeliz.

O espiritual por outro lado já vem travestido com uma sugestão humana, baseada numa criação, numa invenção que depende da aceitação de quem acredita ou tem fé. O espiritual em si não existe, mas apenas porque existem pessoas que especulam criativamente e eventualmente concordam entre si. Óbvio que isso é convenientemente associado com emoção. Textos imbuídos de teor espiritual são apenas propostas que sugerem interpretações criativas para os mistérios da existência e muitas delas são tão antigas quanto o início da capacidade humana de buscar significados comuns que despertam emoções similares entre pessoas. Religiões nascem da aceitação dessas propostas pela fé. Não existe teor espiritual na Natureza, apenas a capacidade de pensar e fazer propostas.

Ler um texto religioso e "perceber" o seu conteúdo espiritual é simplesmente aceitar uma proposta de entendimento e de alguma forma se emocionar com ela além do significado literal e não se pode culpar os outros pela incapacidade de sentir as mesmas coisas acusando-os que fizeram leitura errada do texto ou ignoraram a criatividade sugerida trocando-a pela literalidade da mesma proposta.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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criso
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Mensagem por criso »

Não estou dizendo que as pessoas não podem se emocionar com poesia, música, arte, etc.
Sabe por que elas se emocionam? Porque são Pessoas, e não punhados de carbono.
Se emocionam porque possuem uma imediata experiência psíquica, em si mesma impalpável,
de cuja profundeza jorra coisas como virtudes, valores, beleza, bondade e volição.
Coisas que são, por sua própria natureza, totalmente alheias à ontologia fisicalista.
E que, por sua realidade irremediável - constatável em primeira pessoa por qualquer ser humano -,
Testemunham que somos muito mais do que corpos, meros objetos ou coisas entre coisas;
e sim, singularidades imperscrutáveis e irrepetíveis de natureza transcendente ao material.
Não é necessário ficar inventando significados para essas coisas, os significados são transmitidos culturalmente de forma direta ou indireta através de gerações, ou até geneticamente em algum tipo de sensibilidade.
Não é preciso inventar. É preciso desvelar os significados que elas em si mesmas já têm.
Uma quinta justa é sempre a exata metade entre uma nota e o dobro de sua frequência.
Por isso, produz um som harmônico com relação a esta, agradável à audição humana.
Os harmônicos que produzem o acorde maior são, todos, múltiplos diretos da referência:
Lá (110hz) + Lá (220hz) + Mi (330hz) + Lá (440hz) + Dó# (550hz), Mi (660hz) etc.
Eis um acorde maior completo, harmônico, matematicamente certo e agradável aos ouvidos.
Ponha entre estas notas alguma que não seja múltipla de 110hz, e obterá dissonância.
A dissonância é um dado real do mundo, não é uma invenção do espírito humano.
É por ele apenas percebida, não inventada. Do mesmo modo, as figuras da poesia:
fluem das intuições mais diretas que temos do mundo, por exemplo -
quando passamos, numa estrada, por uma coisa, ela fica "para trás";
intuitivamente, referindo-nos ao passado, dizemos "lá atrás era assim".
Quando caímos, tropeçando ou sendo derrubados, temos a experiência de estar ao chão;
e essa experiência se torna intuição para descrever o subjetivo: "tal coisa me derrubou".
Assim como o fogo consome, devora e aquece aquilo que toca,
sentimo-nos devastados e energizados pelas paixões,
daí a analogia imediata entre fogo e amor, ódio etc.
"amor que arde", "consumir-se pela raiva" etc.
Estas associações não são, portanto, tiradas à moda caralha de uma cartola.
São retratos que ilustram dimensões específicas da experiência humana.
As próprias cores, na arte, impossível não associar
o vermelho com o sangue, o calor, o fogo, a guerra,
o verde com a natureza, harmonia, equilíbrio, suavidade,
o preto com o escuro, luto, noite, treva, com o desconhecido.
Qualquer expressão do homem não é aleatoriedade arbitrária,
mas projeção daquilo que de fato vivencia em primeira pessoa.
E uma destas esferas, fora a arte e filosofia, é a da espiritualidade.
Pessoas ficam felizes escutando uma orquestra, não é preciso explicar a elas significados.
Sem significados, não há "pessoas", nem "felizes", nem "orquestras".
Como uma ontologia estritamente materialista explica essa situação?
Olha, um punhado de carbonos adentrando um punhado de pedras ouvindo um punhado de frequências.
E liberando um punhado de hormônios, assim, sem pé nem cabeça, sem explicação nem nenhuma razão.
Eis a imagem do completo embotamento do espírito produzido por uma visão materialista de toda a realidade.
Para mim, que não sou materialista, existem Pessoas, existe Arte, existe Significado, Sentido, Beleza e Bondade.
Para um materialista, nada disso pode existir, pois transpassa a natureza das moléculas de carbono reagindo quimicamente.
Para o materialista, a explicação de toda e qualquer situação, evento, dilema, contexto é: hormônios, moléculas, reações. Genial!
Quando você olha para a sua mãe, você pensa "olha, um punhado de carbono"?
Que diferença fez o Holocausto, se é só um punhado de carbono, não é mesmo?
Qual a necessidade de direitos, dignidade humana, valores, virtudes, beleza, bondade?
A lei última é a lei do instinto e da sobrevivência, não é? Os darwinistas sociais deviam estar certos, então.
Afinal de contas, porque estou aqui eu, dialogando, com um mero punhado de carbono e hormônios?
Ler um texto religioso e "perceber" o seu conteúdo espiritual é simplesmente aceitar uma proposta de entendimento e de alguma forma se emocionar com ela além do significado literal e não se pode culpar os outros pela incapacidade de sentir as mesmas coisas acusando-os que fizeram leitura errada do texto ou ignoraram a criatividade sugerida trocando-a pela literalidade da mesma proposta.
Se assim fosse, alguém que leu - e entendeu -, uma partitura,
em nada acrescentaria seu conhecimento da realidade ao ouvir a música.
Afinal de contas, de que valeria a experiência imediata e consciente do fenômeno-música?
Mas a verdade é que a partitura não é senão mera sombra da "musicidade" da música.
Se você lesse sobre a dor física, sem nunca ter quebrado o joelho,
jamais conheceria o "doloroso" da dor. A experiência fenomenológica.
Segundo a sua lógica, poder-se-ia apreender a vermelhidão do vermelho num dicionário.
Mas sabemos que o vivenciar da vermelhidão é transcendente com relação à definição.
Do mesmo modo, a espiritualidade convida a uma experiência transcendente vivenciada.
Daí a completa vanidade (de vão) de ficar batendo boca sobre as figuras da partitura.
A partitura aponta para a música. Bater boca sobre a partitura não produz música.
Não ensina nada sobre a musicidade da música - ¡Hay que escucharla!
Assim como argumentar sobre a dor não ensina sobre o doloroso em si.
Espiritualidade é uma dimensão do Homem, é preciso ir, ver e vivenciar.
É algo que se vive, e não uma "aceitação de proposta de entendimento".

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

Pedro Reis
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Mensagem por Pedro Reis »

Gigaview escreveu:
Qua, 14 Abril 2021 - 18:02 pm
criso escreveu:o problema é que Jesus também ficou raivoso com um dinheiro que não dá lucros;
o problema é que Jesus também ficou raivoso com lavradores que não cultivavam;
o problema é que Jesus também ficou raivoso com sementes que não germinam;
o problema é que Jesus também ficou raivoso com servos que não administram.
O foco é na figueira. A partir daí você pode dizer qualquer bobagem e dizer que é espiritual.
criso, essa comparação não cabe: a passagem da figueira não é parábola.

Então não existem narrativas de fatos nos evangelhos?

Devo entender também que Jesus não foi crucificado, não venceu uma discussão com os sacerdotes e não expulsou os vendilhões do templo?

Ora, mas se tudo ali é como uma fábula de Esopo é mais razão para ser ateu. Do jeito que você tá colocando a bíblia não é mais que um livro do Paulo Coelho.

Ou não? Se não, qual critério você utiliza para decidir que uma passagem é fato e outra alegoria?

Deve ser assim:

Ficou esquisito? É alegoria.

Dá pra engolir? É fato.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

Pedro Reis
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Mensagem por Pedro Reis »

criso escreveu:
Qua, 14 Abril 2021 - 19:12 pm
Existem interpretações corretas e erradas das coisas.
O que foi escrito como poema, como poema deve ser lido.
O que foi escrito como anúncio, como anúncio deve ser lido.
E o que foi escrito religiosamente, religiosamente deve ser lido.
Pois é... a passagem da figueira foi escrita como sendo o registro de um fato.

Você tá interpretando como alegoria.

Nazaré é alegoria? Morte aos 33 anos? Houve uma última ceia? etc, etc, etc...

O que foi escrito como fato, como fato deve ser lido.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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criso
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Mensagem por criso »

O que foi escrito como fato, como fato deve ser lido.
Os evangelhos não são relatos históricos. Você não sabia disso?
São um gênero literário de mensagens teológicas do cristianismo primitivo.
O que neles consta, consta pelo valor que tem como ensinamento religioso.
Logo, em tudo que ali se lê, se deve buscar o sentido espiritual que contém.
Você tá interpretando como alegoria.
Estou interpretando como o que são -
Mensagens teológicas de uma religião.
E extraindo deles o que se deve:
O valor espiritual repassado por tradição.
Pois é... a passagem da figueira foi escrita como sendo o registro de um fato.
Um fato registrado em um texto religioso,
só o é, por necessidade, se há valor religioso.
Logo, lendo este fato, o que nele deves procurar?
precisamente, o valor religioso que ele pode veicular.
Ficou esquisito? É alegoria. Dá pra engolir? É fato.
Nem uma coisa e nem a outra.
Ficou esquisito? É tradição oral de um ensinamento religioso.
Dá pra engolir? É tradição oral de um ensinamento religioso.
Esquisito ou engolível, é tradição do ensinamento religioso.
Ou não? Se não, qual critério você utiliza para decidir que uma passagem é fato e outra alegoria?
Uma passagem é uma transmissão de um ensinamento religioso.
Outra passagem é outra transmissão de outro ensinamento religioso.
Coisas que você vai encontrar lendo a Bíblia: ensinamentos religiosos.
Coisas que não vai: notícia, propaganda, receita, bula de remédio etc etc.
Ora, mas se tudo ali é como uma fábula de Esopo é mais razão para ser ateu.
Ser ateu é opção pessoal, não convém à interpretação do texto.
O que convém é que, lendo-o, deva considerá-lo como se ele,
de seu próprio ponto de vista, anunciasse verdades espirituais,
porque o texto não é ateu, e é isso o que importa quando o ler.
Devo entender também que Jesus não foi crucificado, não venceu uma discussão com os sacerdotes e não expulsou os vendilhões do templo?
A Crucificação de Cristo tem importância religiosa e valor espiritual.
A discussão com sacerdotes tem importância religiosa e valor espiritual.
A expulsão dos vendilhões tem importância religiosa e valor espiritual.
Por isso estão todos eles lá. Por que com a figueira seria diferente?
Então não existem narrativas de fatos nos evangelhos?
Existem narrativas de acontecimentos espiritualmente importantes.
Não se narra se pousou ou não uma mosca no braço de algum apóstolo.
Não se narra se tiveram ou não de fazer necessidades físicas no deserto.
Narra-se o que é relevante como revelação e que convoca à conversão.
criso, essa comparação não cabe: a passagem da figueira não é parábola.
criso, essa comparação não cabe: o verso do poema não é poesia.
Assim como é poesia tudo o que se encontra dentro de um poema,
é ensinamento religioso tudo quanto se encontra dentro de um texto religioso – seja isto
'figueira que não dá frutos', 'dinheiro que não dá lucros', 'sementes que não germinam' etc etc.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

Pedro Reis
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Mensagem por Pedro Reis »

Tô tentando entender essa sua cabeça de religioso mas é meio louco, viu.

Você está admitindo o que nunca vi um cristão admitir: que existe ficção nos evangelhos.

Então tá certo... a passagem da figueira tem um ensinamento e uma mensagem.

Bacana. Mas você não vê nenhum problema?

Implica que alguém, em algum momento, em algum lugar, pensou: "bom, minha religião vai pregar que os homens devem frutificar espiritualmente". (Ou qualquer outra interpretação de sua preferência.)

Aí esse alguém simplesmente inventou uma história e pôs muitos detalhes na história. Lugares, testemunhas, etc... tudo para parecer ao leitor um relato fidedigno. Mas em nenhum momento indica que é ficção.

É irônico que você ria dos ateus por fazerem uma interpretação literal porque é justamente o que não fazemos. Nós sempre dissemos que é pura ficção.

Vocês que não acreditam.

Olha, quem precisa ser avisado que isso nunca aconteceu são 2,18 bilhões de cristãos ao redor do mundo.

Ôh criso, são os religiosos que leêm a bíblia como um livro de História. Consequentemente pessoas irreligiosas justificam sua descrença apontando contradições morais, lógicas, temporais, de nomes, etc... Simplesmente porque é impossivel haver contradição entre dois ou mais fatos. Portanto se há contradição alguma coisa não é fato.

Cara, isso é totalmente óbvio. Já viu ateu apontando as contradições das Fábulas de Esopo ou em Reinações de Narizinho?

E você pode achar lindo que um pilantra qualquer, em algum lugar do Império Romano, tenha inventado que o Rei Herodes mandou trucidar todos os menininhos em Israel. Mas não sei qual a diferença dessa mentira para a toalhinha ungida do apóstolo Waldemiro Santiago. Aquela que - na parábola - o fiel passa na maçaneta do banco e o banco perdoa a dívida.

Só que não avisa que é parábola e vende a cem reais!

Então você está admitindo que a bíblia (ou pelo menos os evangelhos) foi escrita por homens assim: sem escrúpulos. Este livro inspirador, seu supremo guia para a evolução espiritual e aperfeiçoamento moral, é obra de gente que inventava e mentia sem a menor cerimônia.

Aí eu fico com as fábulas do Esopo mesmo. Um livro também cheio de sabedoria e ensinamentos edificantes, mas que o autor teve a decência de avisar logo no título que eram apenas fábulas.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

Pedro Reis
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Mensagem por Pedro Reis »

Eu não teria problema nenhum com o cristianismo se, em vez de O Evangelho Segundo Fulano, o Novo Testamento se chamasse "As Fábulas de Jesus".

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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criso
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Mensagem por criso »

Eu não teria problema nenhum com o cristianismo se, em vez de O Evangelho Segundo Fulano, o Novo Testamento se chamasse "As Fábulas de Jesus".
Evangelho significa, literalmente, boas-mensagens. Evangelhos nada mais são que compilações de disse-me-disses das boas mensagens de Jesus.
Aí eu fico com as fábulas do Esopo mesmo. Um livro também cheio de sabedoria e ensinamentos edificantes, mas que o autor teve a decência de avisar logo no título que eram apenas fábulas.
Mas os evangelhos não são fábulas. Eu não disse isso.
Disse que eram transmissões orais de um ensinamento religioso.
E é claro que, do ponto de partida da própria religiosidade,
pressupõe-se uma transcendência que justifica seu ensino.
Por isso que, lendo-os já partindo da premissa inversa:
- de que não há nada de espiritual, nada de transcendente -,
resulta, disso, que tudo ali não passaria de bobajada imensa.
E, apesar de ser isso o que você pensa, não interessa o que você pensa,
porque ao ler um texto queremos partir de onde o autor e público pensam,
pois é isso o que nos dará entendimento do que os textos se propõem a ser,
e não do que o seu julgamento pessoal suponha que eles sejam.
Este livro inspirador, seu supremo guia para a evolução espiritual e aperfeiçoamento moral, é obra de gente que inventava e mentia sem a menor cerimônia
Dizer o que você disse seria o mesmo que,
um liberal, por desacreditar completamente no comunismo,
pensasse que o Manifesto de Marx não passa de um ludíbrio.
É como quem, por não acreditar em poesia,
pensasse que poetas mentem e fabricam ficção.
Entenda que: você não acreditar em algo não torna este algo irreal em si mesmo.
Se você desacreditar tanto no comunismo que pareça irreal, sem pé nem cabeça,
e tomar a si mesmo por referência, achará que Marx zombava da cara de todos.
É claro que, o próprio Marx, escrevendo seus manifestos, cria no que anunciava,
como o provou com sua própria vida, dedicando-a à luta social e sofrendo perseguições.
Do mesmo modo, os santos e mártires dos primeiros séculos provaram com a própria vida,
que sim, este testemunho os convocava para uma realidade transcendente com a qual se relacionavam,
E essas pessoas transmitiram esses ensinamentos como algo que elas de alguma forma experienciavam.
Simplesmente porque é impossivel haver contradição entre dois ou mais fatos. Portanto se há contradição alguma coisa não é fato.
Viajou na maionese. A historiografia, a ciência, o debate sociológico, as narrativas ideológicas, estão todos cheios de contradição.
Fatos podem ser descritos diferentemente segundo os valores e cultura de quem os narra, podem ser exagerados e diminuídos,
podem ser adaptados para o entendimento de povos específicos. Por exemplo, no caso do evangelho que estamos discutindo -
sabe-se que o Evangelho de Lucas foi escrito para não-judeus, velando cumprimentos de profecias que aparecem em Mateus.
Sabe-se que o Evangelho de João dialoga com elementos do gnosticismo, com vestígios nos temas e expressões dualistas.
Cada Evangelho foi escrito por pessoas diferentes, que receberam telefones-sem-fio diferentes, em regiões diferentes.
O que mais tem, para a antiguidade, é disputa de relatos e narrativas: https://en.wikipedia.org/wiki/Socratic_problem
As contradições que cercam a vida de Sócrates e seus relatos são até hoje um problema para historiadores.
É irônico que você ria dos ateus por fazerem uma interpretação literal porque é justamente o que não fazemos. Nós sempre dissemos que é pura ficção
Dizer que é ficção é consequência direta de fazer uma interpretação literal.
Ambas as perspectivas são praticamente duas faces de uma mesma moeda.
Uma cobra falante com uma maçã amaldiçoada? A cena literal é estúpida.
Ah, se é isso mesmo, logo, apenas ficção! = a reação estúpida à estupidez.
São duas estupidezes crônicas, uma irmã da outra, que andam tão juntas que,
muitas vezes, uma leva à outra. Quando a pessoa se vê diante das caricaturas que imagina,
passa a negar as figuras grotescas produzidas pela própria imaginação, se achando esperta.
diz o poeta: 'Amor é fogo que arde sem se ver.'
Estupidez literal: amor é, literalmente, flama dentro do corpo, ardendo de modo invisível!
Reação estúpida: não, na verdade amor é um hormônio, e não combustão. Não passava de ficção.
Interpretação correta: quem escreveu que amor é fogo que arde sem se ver, o fez com uma intenção.
Essa intenção foi a transmissão de uma experiência, por meio de cuja analogia se tenta fazer entender.
– Investiguemos, pois, com nossas própria Almas, o Sentido que essas figuras revelam dentro de nós.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

criso escreveu:
Qua, 14 Abril 2021 - 18:59 pm
Lê minha resposta de 17:39 pm ao Fernando Silva aqui na thread
Não vou perder tempo refutando um monte de interpretações arbitrárias que tentam dar um sentido espiritual a simples atos humanos.

É como tentar recolher fumaça usando uma peneira..

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 02:51 am
O que foi escrito como fato, como fato deve ser lido.
Os evangelhos não são relatos históricos. Você não sabia disso?
São um gênero literário de mensagens teológicas do cristianismo primitivo.
O que neles consta, consta pelo valor que tem como ensinamento religioso.
Logo, em tudo que ali se lê, se deve buscar o sentido espiritual que contém.
Então podemos interpretar que Jesus não existiu, ele era apenas a personificação de um conceito.
Não pregou, não teve discípulos, não foi crucificado nem ressuscitou.
Os evangelhos são apenas um midrash para transmitir ensinamentos, assim como as fábulas de Esopo.
Certo?
criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 02:51 am
Você tá interpretando como alegoria.
Estou interpretando como o que são -
Mensagens teológicas de uma religião.
E extraindo deles o que se deve:
O valor espiritual repassado por tradição.
Extraindo significados que você decidiu arbitrariamente que eles contêm.
criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 02:51 am
Pois é... a passagem da figueira foi escrita como sendo o registro de um fato.
Um fato registrado em um texto religioso,
só o é, por necessidade, se há valor religioso.
Logo, lendo este fato, o que nele deves procurar?
precisamente, o valor religioso que ele pode veicular.
Valor religioso decidido arbitrariamente por cada um que lê aquele monte de abobrinhas.
criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 02:51 am
Então não existem narrativas de fatos nos evangelhos?
Existem narrativas de acontecimentos espiritualmente importantes.
E quem decide o que é espiritualmente importante ou não?
Por que aceitar a autoridade de um bando de gente primitiva que deixou textos confusos e mil vezes remendados e adulterados?
Sem falar nas centenas de apócrifos destruídos pela Igreja?

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 06:28 am
Evangelho significa, literalmente, boas-mensagens. Evangelhos nada mais são que compilações de disse-me-disses das boas mensagens de Jesus.
Das supostas mensagens do suposto Jesus, registradas por gente que ouviu falar, em textos mil vezes editados e adulterados.
criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 06:28 am
É claro que, o próprio Marx, escrevendo seus manifestos, cria no que anunciava,
como o provou com sua própria vida, dedicando-a à luta social e sofrendo perseguições.
Marx era racista, bêbado, ignorou o filho legítimo, teve filho com a empregada, viveu às custas dos outros.
https://guiadoestudante.abril.com.br/es ... karl-marx/
criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 06:28 am
Do mesmo modo, os santos e mártires dos primeiros séculos provaram com a própria vida,
que sim, este testemunho os convocava para uma realidade transcendente com a qual se relacionavam,
E essas pessoas transmitiram esses ensinamentos como algo que elas de alguma forma experienciavam.
Caraca, comparar Marx com os santos católicos ...

Quanto aos mártires, servem os homens-bomba? Afinal, eles também dão a vida pela fé.

Garanto que muitos dos chamados "santos" eram apenas loucos e fanáticos (mas loucura é sinal de santidade quando se trata de religião ...)
criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 06:28 am
Simplesmente porque é impossivel haver contradição entre dois ou mais fatos. Portanto se há contradição alguma coisa não é fato.
Viajou na maionese. A historiografia, a ciência, o debate sociológico, as narrativas ideológicas, estão todos cheios de contradição.
Fatos podem ser descritos diferentemente segundo os valores e cultura de quem os narra, podem ser exagerados e diminuídos,
podem ser adaptados para o entendimento de povos específicos. Por exemplo, no caso do evangelho que estamos discutindo -
sabe-se que o Evangelho de Lucas foi escrito para não-judeus, velando cumprimentos de profecias que aparecem em Mateus.
Relatos históricos podem ser distorcidos. E isto é levado em conta. Ninguém os considera como verdade absoluta e sim como "verdade aceita".
Já um livro tão importante para nossa vida após a morte não pode ter erros e contradições.
Não pode permitir milhares de interpretações divergentes.
criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 06:28 am
O que mais tem, para a antiguidade, é disputa de relatos e narrativas: https://en.wikipedia.org/wiki/Socratic_problem
As contradições que cercam a vida de Sócrates e seus relatos são até hoje um problema para historiadores.
Cansei de ouvir esta bobagem dos crentes.
Dane-se que a vida de Sócrates é nebulosa. Dane-se que a autoria de seus textos é questionada.
Ou os textos são úteis ou não são, independente de quem os tenha escrito.
Mas um texto que supostamente traz a mensagem de um deus não pode conter erros ou ser duvidoso.

Já dizia Paulo: "Se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé".
criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 06:28 am
Investiguemos, pois, com nossas própria Almas, o Sentido que essas figuras revelam dentro de nós.
Almas existem? Quem você acha que vai convencer com esta afirmação num fórum cético?

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

Criso,
Você continua fugindo da pergunta:
Como você pode achar que entendeu as parábolas se Jesus disse que falava por parábolas para ninguém entender e assim não se arrepender nem se salvar?

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

Gigaview
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Mensagem por Gigaview »

Criso, suponha que você teve acesso a um texto recém descoberto da época de Jesus sobre Jesus e seus ensinamentos. Qual é o critério que você usaria para diferenciar supostas mensagens teológicas do cristianismo primitivo de possíveis relatos históricos no conteúdo do texto?

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

Se existiu um Jesus, ele não foi nada original.
Seus ensinamentos foram tirados, em grande parte, do "Documento Q", uma coleção de diálogos mestre/discípulo.
Ou dos filósofos gregos cínicos e estóicos.
Muito antes dele, vários heróis ou homens santos nascerem de virgens inseminadas por deuses.
Seus milagres foram copiados do Antigo Testamento.
Vários trechos do AT, relativos a acontecimentos do passado remoto, foram transformados pelos evangelistas em profecias sobre Jesus.
Antes de Jesus, houve pelo menos um "messias" prometendo aos discípulos ressuscitar ao terceiro dia.
E, na época dele, houve outros "messias" com seguidores que acabaram sendo mortos.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

fenrir
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Mensagem por fenrir »

criso escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 06:28 am
...
O que mais tem, para a antiguidade, é disputa de relatos e narrativas: https://en.wikipedia.org/wiki/Socratic_problem
As contradições que cercam a vida de Sócrates e seus relatos são até hoje um problema para historiadores.
Curioso que tenha usado este exemplo, porque ele não favorece muito seu ponto.

A situação de Sócrates ainda é bem melhor que a de JC. Vejamos:

Alem dos diálogos platônicos existem numerosas referências a Socrates.
Os autores que me lembro de cabeça no momento: Xenofonte, Aeschines Socraticus, Aristófanes, Aristóteles, Diógenes Laércio,
socráticos menores como cínicos, cirenaicos e megáricos, Epicteto e outros.

No que diz respeito a JC, fora no NT não tem quase nada e chegou-se a duvidar que tivesse existido.

E Sócrates viveu 4 séculos antes de JC...

Devido a essas referencias (de novo, excetuando Platão) os estudiosos conseguiram separar o que em Socrates são
ideias próprias e o que pertence na verdade a Platão, comparando o Socrates dos diálogos com o Socrates nessas
referencias, por exemplo a doutrina das idéias.
O próprio Platão parece ter tido o escrupulo de colocar Sócrates em segundo plano nos dialogos mais tardios, nos
quais são expostas doutrinas dele e não de Sócrates.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

Pedro Reis
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Registrado em: Ter, 24 Março 2020 - 11:28 am

Mensagem por Pedro Reis »

criso escreveu: Mas os evangelhos não são fábulas. Eu não disse isso.
Disse que eram transmissões orais de um ensinamento religioso.
E é claro que, do ponto de partida da própria religiosidade,
pressupõe-se uma transcendência que justifica seu ensino.
Por isso que, lendo-os já partindo da premissa inversa:
- de que não há nada de espiritual, nada de transcendente -,
resulta, disso, que tudo ali não passaria de bobajada imensa.
E, apesar de ser isso o que você pensa, não interessa o que você pensa,
porque ao ler um texto queremos partir de onde o autor e público pensam,
pois é isso o que nos dará entendimento do que os textos se propõem a ser,
e não do que o seu julgamento pessoal suponha que eles sejam.
Mas meu amigo, nós dois padecemos deste mesmo mal.

Você não vai entender as escrituras se não considerar as motivações circunstanciais dos autores e dos revisores. E até de quem decidiu incluir ou excluir determinado texto no cânone bíblico. Se partir do pressuposto que tudo ali apenas expressa visão religiosa, já começa na direção errada.

Mencionei antes alguns exemplos: há um cuidado de não antagonizar Jesus (o cristianismo) com o Império Romano.

Jesus manda pagar impostos a César. Pilatos (a autoridade romana) é quem tenta salvar Jesus e também os evangelhos não tocam na questão dos povos submetidos ao domínio romano. Não condenam a escravidão apesar de Roma a utilizar em larga escala e o recém-criado cristianismo acolher a conversão de escravos. Também não dão uma palavra sobre a moralidade e as práticas sexuais dos romanos, muito embora os cristãos primitivos tivessem aversão a este estilo de vida. Não recrimina a religião idólatra dos dominadores, mas Jesus aparece várias vezes em confronto com o judaísmo farisaico.

Além disso nós sabemos que no suposto período em que Jesus viveu, havia um crescente movimento de resistência à ocupação romana que culminou na grande revolta do ano 70. Mas para os evangelistas nada parece estar acontecendo. Quando sabemos que, em toda a bíblia, dominação dos judeus é sempre tratada como uma questão espiritual, uma vez que os hebreus seriam o "povo escolhido".

Será que é à tôa que Jesus diz "Dai à César o que é de César"?

Já conheço a interpretação "transcendente" dessa passagem. Mas não faz sentido porque os judeus não pagavam impostos, pagavam extorsão a um exército de ocupação que não oferecia nada em troca. Porém Jesus recomenda submissão a esta injustiça que empobrecia Israel enquanto aparece se revoltando com violência contra a comercialização da fé por parte do povo e dos fariseus.

Jesus na verdade usa uma frase de efeito ("dai a César o que é de César") para evitar criticar a exploração imposta pela potência colonial.

Essa preocupação de não arrumar treta com os romanos é política. Lembre-se que o cristianismo está se desenvolvendo no seio do Império Romano mas ao mesmo tempo, nas muitas colônias judaicas espalhadas pelo Império, a nova seita está disputando adeptos com o judaísmo tradicional que normalmente não aceitava gentios. Coincidentemente os evangelhos passam pano pros romanos ao passo que são muito críticos com os fariseus.

Será que, se o cristianismo tivesse se desenvolvido exclusivamente em Israel, existiria alguma coisa como a parábola do bom samaritano?

Não há nada assim na Torah. Por séculos os judaísmos foram tremendamente sectários e xenófobos. Mas pela primeira vez uma seita judaica se desenvolve em um ambiente predominantemente gentio. Cresce graças a adesão de gentios mas enfrenta a resistência dos tradicionais que são xenófobos, supremacistas e sectários.

E tudo isso se reflete PREVENTIVAMENTE (atente bem... pre-ven-ti-va-men-te!) nos evangelhos. Jesus já estava adivinhando o que ia acontecer após sua morte e ajusta sua teologia para o que seria conveniente aos cristãos primitivos do Império Romano.

Ou será que foi o contrário? Os cristãos primitivos é que colocaram palavras convenientes na boca de Jesus.

Eu já vi o bispo Edir Macedo, com suprema cara de pau, sugerir que Jesus havia sido rico com o argumento de que "Jesus era um rei e reis nunca são pobres". Imagine se este homem pudesse escrever um evangelho, que história de Jesus este evangelho não contaria...

Por certo, além do Jesus abastado, haveria também alguma parábola com a defesa "espiritual e transcendente" do aborto. Porque o Macedo defende abertamente o aborto.

E você criso, estaria aqui e agora nos explicando segundo a exegese e a hermenêutica porque o aborto é justificável de um ponto de vista transcendente e espiritual, quando na verdade a Igreja Universal adota normas agressivas para tentar evitar que seus pastores casados tenham filhos. O que inclui até, internamente, recomendar o aborto para as esposas.
criso escreveu: Dizer o que você disse seria o mesmo que,
um liberal, por desacreditar completamente no comunismo,
pensasse que o Manifesto de Marx não passa de um ludíbrio.
É como quem, por não acreditar em poesia,
pensasse que poetas mentem e fabricam ficção.
Entenda que: você não acreditar em algo não torna este algo irreal em si mesmo.
Se você desacreditar tanto no comunismo que pareça irreal, sem pé nem cabeça,
e tomar a si mesmo por referência, achará que Marx zombava da cara de todos.
É claro que, o próprio Marx, escrevendo seus manifestos, cria no que anunciava,
como o provou com sua própria vida, dedicando-a à luta social e sofrendo perseguições.
Do mesmo modo, os santos e mártires dos primeiros séculos provaram com a própria vida,
que sim, este testemunho os convocava para uma realidade transcendente com a qual se relacionavam,
E essas pessoas transmitiram esses ensinamentos como algo que elas de alguma forma experienciavam.
Mas a prova de que algumas destas pessoas mentiram está nas contradições.
criso escreveu: Viajou na maionese. A historiografia, a ciência, o debate sociológico, as narrativas ideológicas, estão todos cheios de contradição.
Fatos podem ser descritos diferentemente segundo os valores e cultura de quem os narra, podem ser exagerados e diminuídos,
podem ser adaptados para o entendimento de povos específicos. Por exemplo, no caso do evangelho que estamos discutindo -
sabe-se que o Evangelho de Lucas foi escrito para não-judeus, velando cumprimentos de profecias que aparecem em Mateus.
Sabe-se que o Evangelho de João dialoga com elementos do gnosticismo, com vestígios nos temas e expressões dualistas.
Cada Evangelho foi escrito por pessoas diferentes, que receberam telefones-sem-fio diferentes, em regiões diferentes.
O que mais tem, para a antiguidade, é disputa de relatos e narrativas: https://en.wikipedia.org/wiki/Socratic_problem
As contradições que cercam a vida de Sócrates e seus relatos são até hoje um problema para historiadores.
Cara, isso é que é viajar na maionese.

Debates e narrativas podem estar cheios de contradições. Fatos não.

Se eu te apresentar dois fatos contraditórios entre si, pelo menos um destes não pode ser fato.

A bíblia diz que Jesus foi crucificado na sexta-feira da Paixão e ressuscitou 3 dias depois, no sábado de Aleluia.

Temos uma contradição porque se eu não estiver errando nas contas, 3 dias depois da sexta-feira é uma segunda-feira.

Ou Jesus ressuscitou no sábado ou na segunda-feira. Ou não ressuscitou nem no sábado nem na segunda.

Impossível é que tenha ressuscitado no sábado E também na segunda-feira.

A menos que tenha morrido de novo no domingo mas ninguém ficou sabendo...

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

Pedro Reis escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 18:51 pm
Não há nada assim na Torah. Por séculos os judaísmos foram tremendamente sectários e xenófobos. Mas pela primeira vez uma seita judaica se desenvolve em um ambiente predominantemente gentio. Cresce graças a adesão de gentios mas enfrenta a resistência dos tradicionais que são xenófobos, supremacistas e sectários.
Há uma passagem em que uma mulher gentia pede a Jesus que cure sua filha e ele as chama de cachorras e diz que só veio para as tribos de Israel, não para os gentios. No fim, ele atende à mulher, mas a mensagem foi clara.
Pedro Reis escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 18:51 pm
E tudo isso se reflete PREVENTIVAMENTE (atente bem... pre-ven-ti-va-men-te!) nos evangelhos. Jesus já estava adivinhando o que ia acontecer após sua morte e ajusta sua teologia para o que seria conveniente aos cristãos primitivos do Império Romano.

Ou será que foi o contrário? Os cristãos primitivos é que colocaram palavras convenientes na boca de Jesus.
Paulo pegou a doutrina de uma seita judaica e a adaptou para que fosse aceitável pelos gentios.
Acabou com a circuncisão, a dieta kosher, os rituais na sinagoga etc.
E acabou expulsando os judeus do cristianismo.

As seitas originais (por exemplo, os ebionitas) duraram algum tempo, mas acabaram esmagadas pelo paulinismo.

Mesmo assim, com seu fundamentalismo, sua crença em que o mundo estava para acabar com a volta em pouco tempo de Jesus e não adiantava fazer mais nada, além do desrespeito ao imperador, os primeiros cristãos não foram muito bem recebidos.

E olhe que os romanos não tinham nenhum preconceito com as religiões dos povos conquistados. Pelo contrário, muitos as adotavam, como, por exemplo, o mitraísmo.

Mas os anos se passaram, Jesus não voltou, foi preciso cuidar da vida e pensar no futuro. Com isto, eles acabaram se integrando à sociedade e sua crendice se tornou mais bem aceita.

Re: A Bíblia permite (e manda) matar

Pedro Reis
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Registrado em: Ter, 24 Março 2020 - 11:28 am

Mensagem por Pedro Reis »

Fernando Silva escreveu:
Sex, 16 Abril 2021 - 09:38 am
Pedro Reis escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 18:51 pm
Não há nada assim na Torah. Por séculos os judaísmos foram tremendamente sectários e xenófobos. Mas pela primeira vez uma seita judaica se desenvolve em um ambiente predominantemente gentio. Cresce graças a adesão de gentios mas enfrenta a resistência dos tradicionais que são xenófobos, supremacistas e sectários.
Há uma passagem em que uma mulher gentia pede a Jesus que cure sua filha e ele as chama de cachorras e diz que só veio para as tribos de Israel, não para os gentios. No fim, ele atende à mulher, mas a mensagem foi clara.
Pedro Reis escreveu:
Qui, 15 Abril 2021 - 18:51 pm
E tudo isso se reflete PREVENTIVAMENTE (atente bem... pre-ven-ti-va-men-te!) nos evangelhos. Jesus já estava adivinhando o que ia acontecer após sua morte e ajusta sua teologia para o que seria conveniente aos cristãos primitivos do Império Romano.

Ou será que foi o contrário? Os cristãos primitivos é que colocaram palavras convenientes na boca de Jesus.
Paulo pegou a doutrina de uma seita judaica e a adaptou para que fosse aceitável pelos gentios.
Acabou com a circuncisão, a dieta kosher, os rituais na sinagoga etc.
E acabou expulsando os judeus do cristianismo.

As seitas originais (por exemplo, os ebionitas) duraram algum tempo, mas acabaram esmagadas pelo paulinismo.

Mesmo assim, com seu fundamentalismo, sua crença em que o mundo estava para acabar com a volta em pouco tempo de Jesus e não adiantava fazer mais nada, além do desrespeito ao imperador, os primeiros cristãos não foram muito bem recebidos.

E olhe que os romanos não tinham nenhum preconceito com as religiões dos povos conquistados. Pelo contrário, muitos as adotavam, como, por exemplo, o mitraísmo.

Mas os anos se passaram, Jesus não voltou, foi preciso cuidar da vida e pensar no futuro. Com isto, eles acabaram se integrando à sociedade e sua crendice se tornou mais bem aceita.
Esta passagem é Mateus 15:26.

A mulher gentia se ajoelha e suplica: "Senhor, me ajuda." (Ela tinha uma filha endemoniada)

Jesus responde: "Não é justo tirar o pão dos filhos para dar aos cachorrinhos."

É muito oportuna esta observação porque reforça o meu argumento. Ou minhas suspeitas, se preferir.

Se você confronta esta passagem com a do bom samaritano e outras, parece implausível que todos estes textos se refiram ao mesmo personagem.

Hoje samaritano adquiriu outra conotação, mas é bom lembrar que os samaritanos eram um povo desprezado pelos judeus. Mal comparando, quando um judeu falava "samaritano" era como um brasileiro se referindo a "argentino". Não exatamente, porque o judeu percebia os samaritanos como inferiores.

Por isso mesmo o personagem da parábola é um samaritano. Que na história contada por Jesus se mostra mais virtuoso que um levita e até um sacerdote. O samaritano não se porta apenas de forma superior a dois judeus: não, um é sacerdote e outro um levita. Levitas eram descendentes da casta sacerdotal da tribo de Levi.

Nada está de graça ou à tôa na parábola: o samaritano, o sacerdote fariseu, o levita.

O recado é claro: sua posição e ascendência nada importam, só o que importa é o que você é, sua relação com Deus. Judeus, nem mesmo sacerdotes ou castas nobres são melhores que gentios.

Mas é bem estranho que o mesmo personagem que ensinou esta parábola tenha dito: "Não é justo tirar o pão da boca dos filhos (judeus) para dar aos cachorrinhos (gentios)".

A história termina com a mulher admitindo sua inferioridade em relação ao povo judeu e dizendo: "Até cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos".

No caso do samaritano há uma crítica clara à posição sectária e supremacista de uma religião que via apenas os hebreus como o "povo escolhido". Já em Mateus 15:26 Jesus não faz rodeios para dizer que judeus são superiores a gentios.

Não parece plausível que ambos os textos tenham sido escritos pela mesma pessoa.

A explicação para estas contradições e discrepâncias você não vai encontrar nas exegeses, mas sim na dinâmica da evolução histórica de uma religião. As contradições surgem das diferentes circunstâncias de cada época e cada lugar em que se estabeleceram específicas tradições orais e escritas.

O cristianismo nasce como mais um judaísmo. Assim como o dos fariseus, dos essênios, etc... É de se esperar que sua origem estivesse impregnada também do sectarismo judaico. Porém depois se converte em uma religião universalista, se disseminando em um império multi étnico e cultural.

Por isso eu afirmo: para que o judaísmo crístico se convertesse em cristianismo, palavras convenientes precisaram ser postas na boca de Jesus.

Enquanto outras, consideradas inconvenientes, foram suprimidas.

Mas resquícios sempre permanecem no forma de desconcertantes contradições. Porém para estes casos o crente se vale da exegese e da hermenêutica.
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