Exorcismo - modo de usar

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Exorcismo - modo de usar

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Fernando Silva
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Registrado em: Ter, 11 Fevereiro 2020 - 08:20 am

Mensagem por Fernando Silva »

Antigo texto do Acauan
Exorcismo, Modo de Usar

por Acauan Guajajara

Se alguém aqui estiver pensando em se converter a alguma religião, mas não sabe ainda qual, recomendo um experimento simples - assista um ritual de exorcismo de cada religião candidata e no fim do teste você saberá o suficiente sobre elas para não optar por nenhuma.

Exorcismo é a coisa mais legal que inventaram para o observador da religião. Uma sessão funciona como um daqueles intensivões de cursinho pré-vestibular, no qual te resumem os conteúdos de três anos em uma semana.
Ver como cada confissão enxota o demo de volta pros quintos é como fazer um curso de imersão relâmpago de religiões comparadas.

Vamos tratar apenas dos rituais, sem descambar para perguntas embaraçosas como porque o diabo se dá ao trabalho de incorporar gente completamente anônima, incapaz de fazer coisa pior do que irritar quem está perto, quando podia baixar no presidente da Rússia e explodir o mundo todo de uma vez.

Católicos Romanos, Protestantes neopentecostais e Espíritas Kardecistas têm seu jeitinho próprio de lidar com o Coisa Ruim, cada qual revestindo seus argumentos da base necessária para deixar claro que são os únicos competentes para tal missão.

Começando pelos Católicos, diga-se a favor que o exorcismo é uma prática abandonada pela Igreja Romana, ou, no máximo, preservada apenas por algumas daquelas antigas ordens meio sinistras, que quando o Vaticano se lembra que existem trata de dar um chega pra lá nelas. Ou por conta de algum padre gagá.

Mas exorcismo para a Santa Madre não é coisa para amador, como tudo o mais na Igreja do Karol. Ela tinha até um manual, acho que editado pelo Papa Leão XIII, que normatizava todo o ritual nos mínimos detalhes, incluindo paramentos do celebrante e posição correta dos utensílios.
Pelo que entendi, se colocassem o turíbulo e a naveta onde deveriam estar a caldeirinha e o hissopo, o Tinhoso não saía.
Ou seja, despejar o Cramulhano segundo as regras da Santa Sé era um procedimento cirúrgico que exigia um especialista à altura.
Tá certo que todo este tecnicismo perdia muito da sutileza nas partes do Manual que recomendavam ao padre exorcista esbofetear e xingar o demônio para mostrar quem manda ou coisa parecida.

Mas fora estes arroubos mais, digamos, impetuosos, seguir todos os procedimentos do exorcismo católico não era coisa só para especialistas treinados. O padre exorcista tinha que ser um verdadeiro atleta, já que as sessões podiam consumir horas ou dias de dedicação integral do celebrante.

Que fique claro que todos estes comentários se referem ao exorcismo católico ortodoxo, excluído aquele monte de carismáticos que deixaram de ser não praticantes para praticar a religião dos outros, copiando a, digamos, euforia dos neopentecostais.
Não duvido que no meio desta turma tenha gente expulsando o Capeta escondido das vistas do episcopado. Neste caso os únicos que deveriam ser expulsos são os exorcistas diletantes, já que o Direito Canônico Católico proíbe explícita e taxativamente que seus fiéis desafiem o monopólio sacerdotal das operações de despacho do Capiroto.
Mas como ninguém parece ligar a mínima para Direito Canônico, sabe-se lá o que pode estar rolando naquelas rodinhas.

E tem os Protestantes Neopentecostais.

O que o Lutero disse mesmo? Sola Scriptura!

Então vamos lá turma, aquela história de que só sacerdotes ordenados e especialmente treinados podem fazer exorcismo era mais uma mentira apóstata dos papistas, que queriam se divertir sozinhos. Todo cristão tem o direito de expulsar quantos demônios quiser, em nome do sr. Jesus, já que tá na Bíblia.

Como eu disse, o ritual de exorcismo tem a cara da religião que a pratica.

Se eu tivesse que ilustrar a diferença entre Católicos, com suas normas, instrumental e rigor ritualístico, e os neopentecostais, diria que estes são como os irredutíveis gauleses da aldeia do Asterix, enquanto os primeiros se parecem mais com os disciplinados oficiais de César. Como diria o Uderzo, de um lado a disciplina, de outro a exuberância...

A primeira imagem que me vem a cabeça quando um suposto endemoninhado começa a rolar e babar numa daquelas igrejas são os quadrinhos em que a aldeia toda sai correndo para dar uns sopapos nos romanos, antes que não sobre nenhum.
Só falta alguém gritar - este demônio é meu, você já expulsou um ontem.

Comentei há pouco tempo minha dúvida quanto a os demônios não terem coisa melhor para fazer do que espumar pela boca, se debater e xingar a mãe do pastor - a possessão neopentecostal standard.
Também estranho o fato de o Bicho Preto marcar ponto num monte de igrejecas de periferia, sem nunca ter lhe dado na telha de possuir alguém, vez por outra que fosse, em Westminster.
Como anjos caídos, seres que conhecem os segredos últimos do cosmos e a natureza essencial de todas as coisas, os demônios deveriam ser articulados o suficiente para ir um pouco além de gritar imprecações entre um rosnado e outro.
Além do que é inexplicável que seres que devem dominar fluentemente o hebraico, aramaico e grego prefiram se comunicar na língua oficial do cais das docas.

O bom do exorcismo neopentecostal é que não requer prática nem habilidade.
Basta que o crente seja crente prá caramba que já estará dotado da plena autoridade que dá eficácia às palavrinhas mágicas – sai em nome do sr. Jesus.

Às vezes o Galhardo sai, às vezes não.
Se sai, o crente exorcista alcança o prestígio do atacante que marcou um golaço. Se não, fica com a cara do goleiro que tomou um frango daqueles.

E coitado do exorcista se o goleiro vazado no caso era o pastor. Vai ter que conviver um tempão com as fofocas de como ele não teve autoridade para expulsar o Belzebu, que acabou saindo na primeira tentativa daquele fulaninho que nem sabe o que é hermenêutica – sorte de principiante, dirá o pastor.

Nota-se que expulsar demônios conta pontos importantes na hierarquia espiritual que voga nas igrejas neopentecostais. Tem quem se vanglorie do número de vezes que já falou em línguas, mas isto é chá pequeno comparado com o sucesso alcançado em fazer o possesso mudar do script louco furioso tendo convulsão para o onde estou..., o que aconteceu? que se segue ao triunfo exorcístico.

É claro que tem gente pra tudo neste mundo. Mesmo no meio crente, onde alguns membros, a boca pequena, cogitam se algumas possessões não seriam apenas carência afetiva, problemas psicológicos ou vontade de aparecer do endemoninhado da vez.
Mas quem diz isto também deve estar tomado pelo diabo, é claro.

O exorcismo neopentecostal é isto aí, uma festa mesmo. Não admira que a Organização Universal tenha visto o quanto este empreendimento pode ser bom para os negócios e o tenha tirado do trato artesanal para a escala industrial globalizada e televisada.

Meu, alguém já contou a quantidade de encapetados que aparecem nos palco-púlpito da Universal, com as mãos pra trás, máscara eletrônica no rosto e voz do Pato Donald, ameaçando acabar com a vida financeira deste ou seduzir o marido daquela?
Quando tem sessão do descarrego deve faltar Exu nos terreiros. O Edir Macedo deve pagar bem melhor que os Pais de Santo.

And last, but not least, os Espíritas Kardecistas.

Desde que os citei lá atrás, eles devem estar esperando o momento para dizer que não fazem exorcismo coisa nenhuma, mesmo porque são científicos e esclarecidos demais para acreditar em demônios.

E eu respondo - fazem sim, mudar os nomes não faz os gatos virarem lebres.

Os kardecistas chamam o exorcismo de desobsessão e os demônios de espíritos obsessores. Só muda o fato de, para eles, estes espíritos não serem anjos caídos, mas uma gente pentelha que continua enchendo o saco por aqui mesmo depois de mortos.

Se associamos o exorcismo católico ao canônico e o neopentecostal à exuberância, precisamos de uma palavra para o exorcismo-desobsessão espírita.

A palavra é chatice.

Os espíritos obsessores devem voltar para o umbral ou coisa parecida por não suportar o tédio daquelas sessões. A maioria dos encostos deve ter saudades do tempo em que os padres espancavam os possessos, pelo menos tinha alguma ação e violência naquela trama. Já desobsessão espírita é como o filme As Pontes de Madison.

É sempre mais ou menos a mesma coisa.
Os médiuns fazem as preces iniciais e vibram (não me perguntem como) na freqüência adequada para os trabalhos que vão realizar, até fazer contato (idem) com o tal espírito obsessor, que quase sempre vai contar uma história que é uma variante resumo de algum romance da Zíbia Gasparetto, explicando de porque ele (o espírito) estar azucrinando a vida do coitado X ou da infeliz Y.

Aí, o médium doutrinador faz o que o título diz, doutrina o espírito obsessor.
Pra quem não sabe, doutrinar espíritos obsessores é soltar em cima deles uma conversa mole que não convenceria uma criança a comer verduras.
Sabe-se lá porque cargas d´água, o tal do obsessor, que era um filho da puta tão grande que mesmo depois de morto se deu ao trabalho de desabotoar o paletó de madeira e voltar dos sete palmos, onde se come capim pela raiz, só para fazer fulano perder o emprego ou brochar o marido da sicrana, muda de idéia de uma hora pra outra, convencido por argumentos de impacto semelhante ao de dizer a um corintiano fanático que ele deve virar palmeirense porque ser palmeirense é mais legal do que ser corintiano.

Dizem eles, já que um pobre cético jamais perceberia este fato óbvio, que por trás do trabalho visível dos encarnados existe toda uma assistência de espíritos superiores desencarnados que botam as coisas nos eixos e fazem o tal do obsessor enxergar e reconhecer as merdas que andou fazendo. Só não entendo porque os tais espíritos superiores ficam esperando até alguém montar uma mesa branca para se decidir a fazer alguma coisa. Se são tão superiores assim poderiam agir preventivamente e não deixar o espírito pentelho abrir as asinhas desde o início.

É mas tem o karma... Tem nada, basta qualquer centro espírita reunir uma turminha em torno de uma mesa que o tal do karma some imediatamente.

Ninguém bufa, baba ou rosna nas desobsessões em centros espíritos kardecistas, como acontece nos exorcismos neopentecostais. Tudo é muito asséptico e as únicas coisas estranhas que você vê lá são as invisíveis, que só os médiuns videntes vêem e, cá entre nós, ô gente que gosta de ver coisa esquisita.

Um ponto em comum com os católicos é que exorcista espírita também é função especializada, existindo um Curso de Preparação de Doutrinadores para Sessão de Desobsessão, disponível apenas para quem já fez o Curso de Educação Mediúnica, o que dá entender que doutrinadores espíritas são uma espécie de pós-graduados em espiritualidade.

De um modo geral, seja em qual religião for, as possessões demoníacas têm sempre uma característica comum. São repletas de aspectos sobrenaturais impressionantes quando relatadas nos testemunhos dos crentes e bem menos empolgantes quando presenciadas por céticos.

Quem nunca ouviu aquela história da mulher pequenininha e fragilzinha que tomada pelo Zarapelho dotou-se de força sobre-humana, sendo preciso dez homens parrudos para segura-la com muita dificuldade. E outras tantas parecidas.

O curioso é que quando diante das câmeras da Organização Universal, o máximo que os encostos fazem é comportar-se como completos idiotas.

Ao que tudo indica, o olhar do cético tem sobre os poderes do Demônio o mesmo efeito que a kriptonita tem sobre o Super-Homem.

ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra

Re: Exorcismo - modo de usar

Gigaview
Mensagens: 3013
Registrado em: Seg, 02 Março 2020 - 13:48 pm

Mensagem por Gigaview »

Re: Exorcismo - modo de usar

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Fernando Silva
Conselheiro
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Registrado em: Ter, 11 Fevereiro 2020 - 08:20 am

Mensagem por Fernando Silva »

Para sacanear os pastores é só se comportar igualzinho a eles.

Re: Exorcismo - modo de usar

fenrir
Mensagens: 735
Registrado em: Qui, 19 Março 2020 - 21:59 pm

Mensagem por fenrir »

Fernando Silva escreveu:
Qua, 14 Abril 2021 - 08:16 am
Antigo texto do Acauan
...
Nunca convidaram o Acauan pro CC?
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