A Bíblia aumenta, mas nem sempre inventa.
Nem sempre inventa mas às vezes inventa.
Cobra falante, jumenta falante, mulher que sai de costela de homem, arca de Noé, sol que anda pra trás, muralha derrubada com som de trombetas... a bíblia não é um livro de História.
Mas veja bem, se os fatos foram assim como você supõe, em primeiro lugar estas hipóteses teriam que estar baseadas em evidências. Pistas mais concretas. E depois, mesmo que o que você imagina se aproxime de algo que realmente ocorreu, isso está tão distante do que é narrado na bíblia que não seria exagêro chamar o livro de êxodo de fantasia.
Vamos aos fatos. Só o que sabemos que é fato.
A economia egípcia não era baseada em trabalho escravo. As cheias do rio Nilo depositavam matéria orgânica em todo o delta deste rio, fazendo com que aquelas terras fossem extraordinariamente férteis, fáceis e plantar e arar. As pessoas estavam ocupadas na época da semeadura e depois na colheita, mas esta última produzia uma super safra para os padrões daquela época que seria estocada garantindo alimento para o resto do ano.
Portanto, durante a maior parte do ano, havia muita mão de obra livre disponível e também muito trigo e cevada nos silos para pagar os trabalhadores.
Se você pesquisar um pouco vai descobrir que já foram escavados os assentamentos onde viveram alguns dos construtores de pirâmides. O que estes sítios arqueológicos revelam contraria totalmente a ideia de uma massa de escravos sendo forçados a carregar imensos blocos de pedra.
Super Interessante escreveu:
Lembra os escravos mantidos à força no Egito, que ralaram a vida toda carregando enormes blocos de pedra para as pirâmides? Pois arqueólogos americanos e egípcios descobriram que, na verdade, eles eram trabalhadores livres, bem alimentados e, em sua grande maioria, não eram estrangeiros. A nova teoria é o principal resultado de escavações em duas vilas recém-descobertas na planície de Gizé, que abrigaram cerca de 20 mil pessoas durante a quarta dinastia egípcia (há cerca 4 500 anos), época em que as grandes pirâmides foram erguidas. “Estamos confrontando uma das crenças mais comuns acerca do Egito.
Os indícios mais contundentes estão nas tumbas dos construtores das pirâmides. Elas foram construídas, decoradas e preservadas, como versões menores e mais simples dos túmulos faraônicos. Dentro, alguns corpos apresentavam marcas de fraturas curadas, membros amputados e até cirurgias cerebrais, o que, para os arqueólogos, é sinal de que os trabalhadores recebiam tratamento médico à custa do faraó. “Escravos estrangeiros não seriam enterrados assim, nem mereceriam tamanha atenção”, afirma Hawass.
Havia escravos no Egito, é claro. Mas não aos milhões e não eram fundamentais para o modo de produção egípcio e nem mesmo para as grandes construções.
Já o livro de Êxodo diz que exatamente 600 mil varões deixaram o Egito. Como de praxe, a bíblia ignora as mulheres. Mas se fosse verdade nós poderíamos estimar em cerca de um milhão de duzentos mil escravos fugindo do Egito pelo Sinai. Pura fantasia!
Além disso todos os acontecimentos que precedem esta fuga são inverossímeis, mesmo pra quem crê no sobrenatural. E são inverossímeis porque eventos tão portentosos teriam deixados registros históricos e arqueológicos. Os egípcios teriam falado deles e até outros povos da região teriam feito registro. No entanto referências a estes eventos só existem na bíblia.
E tudo que acontece depois da fuga é tão inverossímel quanto, mesmo se você relevar toda a parte sobrenatural do relato. Nós sabemos que tanta gente não poderia ficar perdida por tanto tempo em um deserto tão pequeno e ainda por cima não deixar vestígios. Nós sabemos também que os egípcios controlavam o Sinai durante todo o período em que poderia ter ocorrido a saída dos hebreus por este deserto.
E o que vem depois da fuga e do deserto? Vem a Conquista.
Só que o relato da Conquista é cronologicamente incompatível com o registro histórico e arqueológico. Jericó existiu, mas já havia sido destruída na época em que a bíblia diz ter sido cercada pelas tropas de Josué.
Os ex-escravos hebreus não poderiam ter conquistado Canaã porque nessa época as cidades estado ali estavam justamente sob o domínio do faraó.
Então sabemos que não havia milhões de escravos, que não morreram todos os primogênitos (não há relato disso!) nem ocorreu nenhuma das outras 9 pragas, que uma massa humana não fugiu pelo Sinai, que não ficou 40 anos nesse deserto e que depois não conquistou um a um os povos cananitas.
E se você tira isso, o que sobra de Êxodo? Praticamente dana.
Não só de Êxodo, mas estes relatos compreendem os livros de Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio e Josué.
https://www.bbc.com/portuguese/ciencia/ ... _tumbas_pu
Então quais fatos históricos podem ter inspirado estas lendas bíblicas?
Provavelmente nunca saberemos, mas há alguns registros que podem estar associados à parte do que está relatado no pentateuco.
Os hicsos, por exemplo. Essa é uma história fantástica mas real: os hicsos foram um povo de origem semita que assim como o Jacó bíblico saíram de Canaã e se estabeleceram no Egito. E é interessante saber que Jacó era um nome hicso!
Os hicsos chegaram a dominar a região da foz do Nilo e uma dinastia de hicsos reinou como faraós por cerca de um século até ser expulsa do Egito. Foi por volta do séc. 17 A.C.
Mais ou menos por essa época ocorre a super erupção em Santorini, que pode ter tido imenso impacto ambiental sobre o Egito e talvez se relacione de alguma forma com os eventos catastróficos descritos em Êxodo e no papiro de Ipuur. Mas apenas no sentido de ter sido um período terrível que acabou dando origem a lendas como estas.
De qualquer forma há consenso entre estudiosos que o Livro de Êxodo começou a ser escrito bem depois desse período e levou muito tempo até ser concluído.
Wikipedia escreveu:
Autoria
A tradição judaica e cristã defende Moisés como autor do Êxodo (e de todo o Pentateuco), mas, já no final do século XIX, a crescente percepção acadêmica de discrepâncias, inconsistências, repetições e outras características do Pentauco levou os estudiosos a abandonarem essa ideia.[7] Em datas aproximadas, o processo que resultou no Êxodo e no Pentateuco provavelmente começou por volta de 600 a.C., quando tradições escritas e orais mais antigas foram colecionadas em livros similares aos conhecidos atualmente e a forma final foi estabelecida por volta de 400 a.C.. É claro que a estrutura principal da narrativa já era conhecida muito antes do século VII, nas alusões ao Êxodo e à viagem pelo deserto contida nas profecias de Amós e Oseias um século antes[3][8].