Liberalismo Clássico - Estado Mínimo

Área destinada à discussão sobre Laicismo e Política e a imparcialidade do tratamento do Estado às pessoas.
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Liberalismo Clássico - Estado Mínimo

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Gabarito
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Mensagem por Gabarito »

O tópico a seguir pode ser uma derivação do que já existe sobre Liberalismo.
Mas ele abordará apenas uma premissa dele, o Estado Mínimo, uma corrente defendida por Adam Smith e Stuart Mill.

Eu ainda não vi uma explicação melhor disso do que o vídeo a seguir:

Dennis Prager - 'Quanto maior o governo, menor o cidadão'


youtu.be/5jChG1ftpeg

Re: Liberalismo Clássico - Estado Mínimo

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Leo Kruger
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Mensagem por Leo Kruger »

Tópico muito bom.

Assim como no fim de sistema monárquicos as pessoas questionavam "o que faremos sem o rei?" as pessoas atuais se questionam "o que faremos sem um estado grande?". O estado nada produz, seu meio de sobrevivência é o parasitismo inerente a ele mesmo, e seu único meio de ação é através de coerção. Não a toa os países mais prósperos são aqueles que defendem a liberdade individual.

O estado de direito antecede o estado, leis existem antes de governos democráticos, assim como propriedades e ação humana. Ficamos acomodados demais e impotentes demais com um estado grande. As leis são moldadas em benefício do estado, não há ninguém que possa o punir.

Re: Liberalismo Clássico - Estado Mínimo

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Tutu
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Registrado em: Qui, 09 Abril 2020 - 17:03 pm

Mensagem por Tutu »

Agindo com ceticismo, aponto algumas falhas básicas do Estado mínimo.

1) Previdência - A previdência privada fracassou no Chile.

2) Tratamento de saúde - Um plano de saúde público faz falta nos EUA.

3) Faculdade de Medicina custa 8500 reais por mês - Quem tem dinheiro para pagar? Como formar médicos sem dinheiro público?

4) Educação básica gratuita - Embora o sistema existe para doutrinação. Sem a obrigatoriedade, como garantir que pais malucos não deixem de colocar as crianças na escola? Depois que a criança cresce sem educação, já é tarde para ela.

5) Estado-babá de idiotas - Educação contra tabagismo, maconha, alcoolismo e obesidade. Os EUA é o país mais obeso do mundo.

6) Esporte e artes para jovens - Existe uma estratégia de abrir centros de artes e esportes para jovens que tem como consequência afastar os jovens das drogas.

Re: Liberalismo Clássico - Estado Mínimo

Huxley
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Registrado em: Sáb, 07 Março 2020 - 20:48 pm

Mensagem por Huxley »

É mentira essa história de que os fundadores do Liberalismo Clássico defendiam o Estado Mínimo. Principalmente o Adam Smith. Só quem nunca leu Adam Smith extensamente pode dizer que ele era um minarquista.

Porei um artigo do economista André Levy que desmente esse mito.
Editado pela última vez por Huxley em Sáb, 06 Abril 2024 - 00:24 am, em um total de 2 vezes.

Re: Liberalismo Clássico - Estado Mínimo

Huxley
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Registrado em: Sáb, 07 Março 2020 - 20:48 pm

Mensagem por Huxley »

Socialismo, Anarquismo e Libertarianismo: os filhos bastardos do Liberalismo
postado por Unknown em dezembro 30, 2016

Socialismo, Anarquismo e Libertarianismo: os filhos bastardos do Liberalismo




Socialismo, anarquismo e libertarianismo tomaram corpo no século XIX. Nasceram na Europa, principalmente em Paris, onde Karl Marx, Pierre-Joseph Proudhon e Frédéric Bastiat tomavam café. Cada um a seu jeito, eram todos anarquistas. Marx era anarcocomunista, Bastiat anarcocapitalista e Proudhon anarcomutualista. Estas não eram as suas alcunhas na época, e nem tampouco seus pensamentos haviam se desenvolvido completamente a estes pontos, mas estes foram os seus destinos. Inspiravam-se todos nos liberais do Iluminismo escocês – John Locke, David Hume, Adam Smith… – que haviam se insurgido contra a oligarquia aristocrática. Porém enquanto os seus inspiradores debruçaram-se sobre a tarefa de construção do Estado de direito para substituir o Estado absolutista, os anarquistas queriam a destruição do Estado. Como é possível?

O ancestral

O liberalismo nasceu na Inglaterra e Escócia nos séculos XVII e XVIII. O Iluminismo escocês foi muito diferente do Iluminismo francês. O escocês criou a escola de pensamento empirista; o francês a racionalista. O que separa os dois, mais que o Canal da Mancha, é como cada uma busca a verdade, A escola empirista entende que o conhecimento humano deriva da observação e da experiência, depois processadas pela razão. A escola racionalista entende que o conhecimento verdadeiro independe da observação, e que é possível alcançá-lo só através da razão. Esta é a tradição de Descartes, que remonta a Euclides e Platão na Grécia Antiga. Nem todos britânicos e franceses seguiram as escolas de pensamento predominantes em seus países. Os franceses Montesquieu, Benjamin Constant e Alexis de Tocqueville, por exemplo, seguiram a tradição liberal britânica. Na Inglaterra, Thomas Hobbes, William Godwin, Joseph Priestly, Richard Price e Thomas Paine, preferiram a versão francesa (Hayek, 1960).

As formas de pensar dos britânicos e dos franceses eram tão completamente diferentes, que isso se refletia nas suas estruturas sociais e jurídicas. A França adotou o direito romano, em que as leis são primeiro concebidas e depois aplicadas. Na Inglaterra, e agora em toda a anglosfera, se usa common law, em que as leis são criadas nos próprios tribunais, a cada sentença. No primeiro há planejamento; no segundo adaptação. Até os jardins na Inglaterra e na França refletem essas diferentes formas de ver o mundo: os franceses são arquitetados com rigor matemático e geometria impecável; os ingleses são mais orgânicos, adaptados ao terreno.

A prole

Liberalismo, socialismo, libertarianismo e mutualismo, todos buscam a liberdade. Porém as diferentes formas de se pensar do liberalismo e dos anarquismos, os levam para lados completamente opostos. O racionalismo francês exige rigor matemático e perfeita coerência lógica. Os anarquistas se inspiraram nas curvas do liberalismo britânico, mas tiveram que encaixá-lo no quadrado do racionalismo francês. Não coube; tiveram que cortar uns pedaços. E cada um cortou um pedaço diferente. Aos olhos dos anarquistas, havia uma falha fundamental na relação entre o mercado e o Estado liberal. Se uma empresa concentra poder privado demais, uma das formas mais racionais dos empresários defenderem o seu capital é comprar os governantes, e colocá-los para proteger o seu monopólio. Por outro lado, se é o Estado que concentra poder público demais, os governantes é que passam a defender a sua posição comprando os empresários. É um conflito constante entre a esfera pública e a esfera privada, em que burocratas e plutocratas competem e colaboram entre si pelo poder.

Esta é a inequação que os anarquistas precisavam resolver, pois o sistema social tinha que ser lógico, racional, não contraditório. Por isso Marx fala das “contradições do capitalismo”. Capitalismo é uma ordem socioeconômica, não uma teoria que pode se contradizer. Porém era assim que os racionalistas viam a realidade; como a projeção de uma teoria, que tem que ser tão logicamente exata e coesa quanto uma teoria deve ser. Cada um deles então buscou o seu próprio caminho para resolver essa inequação. Para Bastiat, é o Estado a origem de todo o mal, é ele quem cria os monopólios, então basta retirá-lo, da economia pelo menos, que tudo se equaciona:

“O Estado é a grande ficção através da qual todos tentam viver às custas de todos.” (Bastiat 1849, p. 11)

“O que impede a ordem social de alcançar a sua perfeição (ao menos aquela possível) é o esforço constante de seus membros para viver e se desenvolver a expensas dos outros.” (Bastiat, [1850] 1863, p. 128)

Para Marx, é o mercado a origem da concentração de poder, então é preciso primeiro eliminar o mercado, para depois eliminar o Estado:

“Ele, que antes era o dono do dinheiro, agora marcha à frente como capitalista; o que tinha a força de trabalho segue como seu trabalhador. O primeiro com um ar de importância, sorridente, imbuído do negócio; o outro, tímido e recuado, como aquele que está trazendo a sua própria pele ao mercado e não tem nada mais a esperar do que ser — escalpelado.” (Marx, 1867, Vol I, Cap VI, p. 798)

E Proudhon, o primeiro a se declarar “anarquista”, queria eliminar os dois numa só tacada:

“Do direito da força derivam a exploração do homem pelo homem ou, dizendo doutro modo, a servidão, a usura, o tributo imposto pelo vencedor ao inimigo vencido, e toda essa família numerosa de impostos, gabelas, revelias, corvéias, derramas, arrendamentos, aluguéis etc., numa palavra, a propriedade.” (Proudhon, [1840] 1973, p. 209-210)

“[R]esolveremos todas as contradições econômicas, emanciparemos o trabalho e submeteremos o capital; o trabalhador e o capitalista estarão ambos satisfeitos e contentes um com o outro.” (Proudhon, [1848] 1868, p. 130)

Os três, diga-se de passagem, não só viviam na mesma cidade, Paris, como se conheciam e se conversavam. Marx tentou recrutar Proudhon para a revolução socialista, imagina-se após lá se conhecerem, e este por sua vez era colega de Bastiat na Assembléia Nacional, com quem trocou uma longa correspondência acerca da usura. A Marx, Proudhon criticava o seu otimismo quanto ao Estado, e a Bastiat ao mercado:

“O erro do socialismo foi, até aqui, o de perpetuar o devaneio religioso lançando-se em um futuro fantástico ao invés de capturar a realidade que o esmaga, assim como o erro dos economistas é o de considerar cada fato positivo um impedimento a qualquer proposta de mudança.” (Proudhon [1846] 1972, p. 128)

Libertarianos são liberais?¹

Cada um dos três anarquistas deu origem a longas dinastias de pensadores. Bastiat inspirou os economistas marginalistas do laissez faire: Carl Menger na Áustria, Léon Walras na Suíça e William Stanley Jevons na Inglaterra. Marx fez seus herdeiros entre os sociólogos e teóricos do socialismo: Karl Kautsky na Alemanha, Daniel de Leon nos EUA, Georg Lukács na Hungria, Antonio Gramsci na Itália e Vladimir Lenin na Rússia. Proudhon não deixou herdeiros, e sim irmãos, contemporâneos seus, como lhe seria peculiar: Mikhail Bakunin e Peter Kropotkin na Rússia. Mas foi Bastiat quem tomou para si o nome do liberalismo, ainda que a sua descendência fosse bastarda, filha na verdade do racionalismo francês. Friedrich Hayek (1960) nos explica:

“Esse desenvolvimento de uma teoria da liberdade aconteceu principalmente no século XVIII. Começou em dois países: Inglaterra e França. O primeiro conhecia a liberdade; o segundo não.

Como resultado, temos até hoje duas diferentes tradições na teoria da liberdade: uma empírica e assistemática, a outra especulativa e racionalista; a primeira baseada em uma interpretação de tradições e instituições que cresceram espontaneamente e que não eram completamente compreendidas, e a segunda almejando a construção de uma utopia, que tem sido frequentemente tentada porém nunca bem sucedida. Ainda assim, tem sido o argumento racionalista, plausível e aparentemente lógico da tradição francesa, com suas elegantes premissas sobre os poderes ilimitados da razão humana, que tem progressivamente ganho influência, enquanto a tradição inglesa, menos eloquente e explícita, tem estado em decadência.

Essa diferenciação está escondida pelo fato de que o que chamamos de ‘tradição francesa’ da liberdade surgiu em grande parte de interpretar instituições britânicas e de que os conceitos que outros países fizeram delas eram baseados majoritariamente nas suas descrições por escritores franceses. […]

Para desenroscar essas duas tradições, é necessário examinar as formas relativamente puras em que surgiram no século XVIII. O que chamamos de ‘tradição britânica’ foi explicitado principalmente por um grupo de filósofos morais escoceses liderado por David Hume, Adam Smith e Adam Ferguson, seguidos de seus contemporâneos ingleses Josiah Tucker, Edmund Burke e William Paley, e inspirado majoritariamente na tradição fundamentada na jurisprudência britânica da common law. Contraposta a eles estava a tradição do Iluminismo francês, profundamente imbuída do racionalismo cartesiano: os enciclopedistas e Rousseau, e os fisiocratas e Condorcet são os seus mais renomados representantes. Evidentemente, esta divisão não coincide totalmente com as fronteiras nacionais. Franceses, como Montesquieu e, mais tarde, Benjamin Constant e, sobretudo, Alexis de Tocqueville estão provavelmente mais próximos do que estamos chamando de ‘tradição britânica’ do que da ‘francesa’. E em Thomas Hobbes, a Grã Bretanha tem pelo menos um dos fundadores da tradição racionalista, sem falar em toda uma geração de entusiastas pela Revolução Francesa, como Godwin, Priestly, Price e Paine, que, como Jefferson depois de sua estadia na França, pertence inteiramente a ela.” (Hayek, 1960)

Não é só Hayek que vê assim, do seu ponto de vista empiricista; Herman-Hans Hoppe, libertariano, pupilo de Murray N. Rothbard, concorda:

“Vale enfatizar, então, que Hayek não é um membro da linha racionalista da Escola Austríaca, e nem tampouco ele diz que é. Hayek faz parte da tradição empirista e cética britânica, e é um oponente explícito do racionalismo europeu adotado por Menger, Böhm-Bawerk, Mises e Rothbard.” (Hoppe, 1999)

Hayek está aí na verdade respondendo ao seu, nesta época já antigo, mentor, Ludwig von Mises (1927), que em nada ajudou milhares (milhões?) de leitores a entender essa distinção quando definiu que:

“[A] tarefa do Estado consiste apenas e exclusivamente em garantir a proteção da vida, da saúde, da liberdade e da propriedade contra ataques violentos. Tudo o que for além é vil.” (Mises, 1927, Cap I, §11)

Ayn Rand (1966) expande:

“Capitalismo é o único sistema em que os homens são livres para funcionar e onde o progresso é acompanhado, não por privações forçadas, e sim pelo aumento constante da prosperidade, do consumo e do aproveitamento da vida. […] Quando eu me refiro a ‘capitalismo’, eu quero dizer completo, puro, ilimitado, capitalismo laissez-faire sem regulação – com uma separação entre Estado e economia, da mesma forma e pelas mesmas razões que a separação entre Estado e religião. […] Toda interferência governamental na economia consiste em dar benefício não-conquistado, extorquido à força, a alguns em detrimento de outros.” (Rand, 1966)

Mas nada poderia ser mais repudiante a Adam Smith do que essa definição de Estado de Mises:

“Governo civil, quando instituído somente para a proteção da propriedade privada, é na realidade instituído para a defesa dos ricos contra os pobres, dos que têm propriedade contra os que não têm.” (Smith 1776, Cap. I, Parte II, p. 775)

Robert Nozick, também libertariano, reitera a definição de Mises 44 anos mais tarde:

“Nossa principal conclusão é sobre o Estado é que um Estado mínimo, limitado às estreitas funções de proteção contra a força, roubo, fraude, cumprimento de contratos, etc, é legítimo, mas que um Estado maior violará os direitos das pessoas de não serem forçadas a fazer certas coisas, e é ilegítimo.” (Nozick, 1974, Prefácio, p. ix)

Porém é o próprio pupilo de Mises, Hayek, quem nos conta que os liberais nunca foram anti-Estado; nunca defenderam o laissez faire:

“Nem Locke, nem Hume, nem Smith, nem Burke poderiam ter argumentado, como fez Bentham, que “toda lei é má porque toda lei é um atentado à liberdade.” Os seus argumentos nunca foram completamente laissez-faire, que, como as próprias palavras demonstram, é também parte de uma tradição racionalista francesa, e o seu sentido literal nunca foi defendido por nenhum dos economistas clássicos ingleses. Eles sabiam melhor que todos os seus críticos posteriores que não era por mágica, e sim pela evolução de “instituições bem construídas,” onde “as regras e os privilégios de interesses opostos e vantagens negociadas” seriam reconciliadas, que canalizou exitosamente esforços individuais para objetivos socialmente benéficos. Na verdade, o seu argumento nunca foi anti-Estado assim, ou anárquico, a consequência lógica da doutrina laissez-faire racionalista; era um argumento que considerava tanto as funções do Estado quanto os limites da ação do Estado.” (Hayek, 1960)

Pelo contrário, os liberais, desde John Locke, o pioneiro do liberalismo no século XVII, formularam o Estado constitucional de direito justamente para protegerem-se das arbitrariedades de uma monarquia absolutista e de uma oligarquia aristocrática:

“A liberdade dos homens sob um governo é a de ter uma lei de convivência, comum a todos na sociedade e instituída pelo seu poder legislativo; a liberdade de fazer o que quiser que a lei não proíba, e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem.” (Locke, 1689, Vol. IV, Cap. 22)

Nem tampouco é verdade que os liberais não vissem papel para o Estado na economia, como propalou Mises e ainda o fazem seus seguidores. Adam Smith foi bem claro ao dizer que:

“O terceiro e último dever de um Estado soberano é o de erguer e manter aquelas instituições públicas e aquelas obras públicas, que, embora sejam extremamente benéficas à sociedade, são, contudo, de tal natureza, que o seu lucro nunca poderia repagar o investimento de nenhum indivíduo ou pequeno grupo, e que portanto não se pode esperar que alguém ou algum pequeno grupo vá construí-las ou mantê-las.” (Smith, 1776, Vol V, Cap I, Parte III)

Como já disse Hayek acima, os liberais entendiam muito bem que a liberdade não surgia por geração espontânea, e na verdade resultava de “instituições bem construídas”. Ao contrário do que comumente associam a um “liberalismo vulgar” contemporâneo, até mesmo por aqueles que se identificam como “liberais”, essas instituições incluem também incluem a regulação dos mercados. O “livre mercado” dos liberais não é um mercado desenfreado; é um mercado em que todos são livres para negociar em pé de igualdade.

“O livre mercado não é uma permissão para os mercadores fazerem o que quiserem; isso seria antes a sua escravidão. O que restringe o mercador não necessariamente restringe o mercado.” (Montesquieu, 1748, Vol XX)

Não só Smith via a necessidade do governo fazer aquilo que a iniciativa privada não tinha interesse em fazer, como deveria fazer também aquilo em que só um indivíduo ou empresa poderia fazer. Em outras palavras, era bem ciente do perigo dos monopólios:

“Os pedágios para a manutenção de uma auto-estrada não podem com segurança alguma ser privatizados.” (Smith, 1776, Vol. I, Cap III, Parte I, p. 786)

Além da regulação dos mercados, Smith incluía também educação pública, algo que só foi ser colocado em prática 250 anos mais tarde, com a criação do Estado Social no século XX. Se por vouchers escolares quer-se dizer livre escolha de escolas privadas subsidiadas com custeio estatal, podemos dizer que é Smith o progenitor da proposta pela qual Friedman é tão creditado:

“Além das instituições públicas e das obras públicas necessárias para a defesa da sociedade, e para a administração da justiça, […] as outras tarefas e instituições deste tipo são principalmente aquelas que facilitam o comércio na sociedade, e aquelas que promovem a educação das pessoas. […] Com uma despesa muito pequena o público pode facilitar, encorajar e até impor a todos a necessidade de adquirir as partes mais essenciais da educação.” (Smith, 1776, Vol V, Cap I, Parte III, Artigo II, p. 847)

Hayek resume:

“É importante não confundir oposição ao planejamento central com um laissez faire dogmático. O argumento liberal não defende deixar as coisas ao léu; ele favorece fazer o melhor uso possível das forças da competição como meio para coordenar o esforço humano. Ele é baseado na convicção de que, onde se puder criar concorrência de verdade, esta é a melhor forma de guiar os esforços individuais. Ele enfatiza que para a concorrência ser benéfica, é necessário um arcabouço legal cuidadosamente bem arquitetado.” (HAYEK, Friedrich A., Caminho à Servidão, 1944)

As diferenças entre libertarianos e liberais vão ficando cada vez mais contrastantes. Nenhuma delas porém é mais diametralmente oposta que o papel do Estado na justiça social. Contemporaneamente, Matthew Zwolinski, professor de Filosofia da University of California em San Diego, e John Tomasi, professor de Ciência Política da Brown University, fazem essa distinção de forma precisa, ainda que se identifiquem ambos como libertarianos, e não como liberais:

“O minarquista é aquele que mais comumente identificamos com o libertarianismo. Ele crê que Estados podem ser legítimos, mas somente se são estritamente limitados nas suas funções. Tipicamente, embora não necessariamente, minarquistas são lbertários jusnaturalistas, e crêem que as funções legítimas do Estado estão restritas àquelas necessárias para a proteção dos direitos naturais das pessoas. [… Liberais clássicos] defendem que um Estado legítimo pode, e em alguns casos deve, ser mais que o guarda noturno defendido pelos minarquistas. [… H]á um consenso de que Estados devem usar receitas fiscais com justiça para prover bens comuns (no sentido preciso em Economia). E liberais clássicos, diferentemente dos libertarianos minarquistas, tendem a estar abertos à possibilidade de que a justiça permita ou até exija alguma parcela de redistribuição para prover uma proteção social aos mais pobres.” (ZWOLINSKI, Matthew e John Tomasi. A Brief History of Libertarianism, Cap I, 2010)

Smith confirma:

“Nenhuma sociedade pode prosperar e ser feliz se a maioria dos seus membros forem pobres e miseráveis. Nada mais equitativo, aliás, que os que alimentam, vestem, e abrigam todo o povo, fiquem com parte do produto do seu próprio trabalho de forma a ser eles mesmos minimamente bem alimentados, vestidos e abrigados.” (Smith, 1776, Vol. I, Cap. VIII, p. 94)

E esta não é uma visão particular de Smith; é comum a todos os liberais:

“A garantia de uma renda mínima para todos, ou um piso abaixo do qual ninguém ficaria, mesmo quando incapaz de prover a si mesmo, não só é uma proteção inteiramente legítima contra um risco comum a todos, como também é essencial à Grande Sociedade, na qual indivíduos não mais contam com a proteção da pequena comunidade em que nasceram.” (Hayek, 1979, vol III, p. 395)

“A nossa sensibilidade humana exige que alguma provisão seja feita para aqueles que não tiveram sorte na loteria da vida. Nosso mundo se tornou muito complexo e emaranhado, e nós muito sensatos para deixarmos essa função inteiramente à caridade ou responsabilidade da comunidade local.” (Friedman, 1951)

“[P]odemos todos estar dispostos a contribuir com o redução da pobreza, desde que todos os outros também o façam. Sem essa garantia, podemos não estar dispostos a contribuir o mesmo tanto. Em pequenas comunidades, a pressão de grupo pode bastar para que a caridade seja suficiente. Em comunidades grandes e impessoais, que cada vez mais predominam a nossa sociedade, é muito mais difícil fazê-lo.” (Friedman, 1962)

Por isso Smith não hesita em defender a redistribuição da riqueza, tão malograda pelos libertarianos, via tributação progressiva, e do patrimônio!

“As necessidades da vida são as principais despesas dos pobres. Têm dificuldade em conseguir comida, e a maior parte da pouca renda que têm é gasta conseguindo-a. Os luxos e os confortos da vida são as principais despesas dos ricos, e uma casa magnífica orna e abre caminho para todos os outros luxos e confortos que possuem. Um imposto sobre os aluguéis, portanto, de forma geral, cairia mais pesadamente sobre os ricos; e neste tipo de desigualdade não haveria, talvez, nada de irrazoável. Não é irrazoável que os ricos devam contribuir aos gastos públicos, não somente em proporção à sua receita, mas mais do que nessa proporção.” (Smith, 1776, Vol II, Cap VII, Parte 71)

Nada poderia ser mais hediondo ao libertariano:

“Tributação da renda gerada pelo trabalho é equiparável à trabalhos forçados. Tomar os resultados do trabalho de alguém equivale a tomar-lhe horas.” (Nozick, 1974, Cap 7, Parte I)

Tomasi e Zwolinski concluem:

“[N]enhum dos antigos liberais trataram o direito à propriedade com absolutismo moral, e assim nenhum deles estava impedido por princípio a negar que a preocupação com os pobres era uma consideração legítima no desenho institucional. Acreditamos que o liberalismo clássico, não o libertarianismo axiomático, é o verdadeiro herdeiro da tradição liberal.” (Matt Zwolinski and John Tomasi, A Bleeding Heart History of Libertarianism, April 2, 2012)

A verdade é que Smith não compactuava do elitismo material, que é tipicamente aceito, e até cultivado, por libertarianos; muito pelo contrário:

“Nossa tendência a admirar, quase venerar, os ricos e poderosos, e de desdenhar, ou no mínimo ignorar, pessoas em condições pobres e cruéis, embora necessária para estabelecer e manter a distinção entre níveis sociais, é ao mesmo tempo a maior e mais universal causa da corrupção da nossa sensibilidade moral.” (SMITH, Adam. A Teoria da Sensibilidade Moral, 1759, vol I, seção III, cap II)

E aí é que se evidencia a diferença fundamentalmente moral entre o liberalismo e o libertarianismo. O libertariano não só confunde egoísmo com individualismo, como o reverencia:

“Antes do capitalismo, eu defendo o egoísmo, e antes do egoísmo eu defendo a razão. Se a supremacia da razão é reconhecida, e aplicada coerentemente, todo o resto é consequência.” (Rand, 1962)

Nada poderia estar mais distante do liberalismo:

“Por mais egoísta que se possa supor que seja o Homem, há princípios na sua natureza que o fazem se interessar pelo bem estar dos outros, tornando a sua felicidade uma necessidade para si, embora ele não ganhe nada com isso senão o prazer de vê-la.” (SMITH, Adam. A Teoria da Sensibilidade Moral, 1759, vol I, seção I, cap I)

O liberal defende a liberdade individual sim, mas sobretudo a do outro, não a própria:

“Até os déspotas acham a liberdade excelente. Porém eles a querem só para si, dizendo que ninguém mais a merece. O que nos distingue não é portanto o nosso apreço pela liberdade, e sim pelo próximo.” (TOCQUEVILLE, Alexis de. Ancien Regime e a Revolução, Prefácio, 4a ed, 1858)



¹ Traduzimos aqui do inglês libertarian, associado à tradição descendente de Bastiat, para libertariano, um anglicismo, propositadamente para diferenciá-lo do francês libertaire, que ocupa o significado de libertário em português, e que se associa à escola de pensamento descendente de Proudhon.

BASTIAT, Frédéric. L’Etat: Maudit Argent. Journal des Économiste. Paris: Guillaumin, 1849.

BASTIAT, Frédéric. Sophismes Économiques. In: BASTIAT, Frédéric. Oeuvres Complétes de Frédéric Bastiat (OCFB). T. IV. Paris: Guillaumin, 1863.

FRIEDMAN, Milton, Neo-Liberalism and Its Prospects, Farmand, 17 fevereiro 1951, pp. 89-93.

HAYEK, Friedrich A., Caminho à Servidão, 1944.

HAYEK, Friedrich A. The Constitution of Liberty, 1960.

HAYEK, Friedrich A. Lei, Legislação e Liberdade, 1979.

HOPPE, Hemann-Hans. Murray N. Rothbard: Economics, Science, and Liberty, In: 15 Great Austrian Economists, The Ludwig von Mises Institute, 1999.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil, 1689.

MARX, Karl. Das Kapital, 1867.

MISES, Ludwig von. Liberalismus, 1927.

MONTESQUIEU, O espírito das leis, 1748.

NOZICK, Robert, Anarchy, State, and Utopia, 1974.

PROUDHON, Pierre-Joseph. Qu’est-ce la propriété? In: Oeuvres Complètes de P.-J. Proudhon (OCPJP). Tome I. Paris: A. Lacroix, [1840] 1873.

PROUDHON, Pierre-Joseph. System of economical contradictions or the philosophy of misery. New York: Arno Press, [1846] 1972.

PROUDHON, Pierre-Joseph. Solution du problème social. In: Oeuvres Complètes de P.-J. Proudhon (OCPJP). Tome VI. Paris: C. Marpon et E. Flammarion, [1848] 1868.

RAND, Ayn. Introducing Objectivism, The Objectivist Newsletter, Vol. 1, No. 8. August, 1962. p. 35.

RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. 1966.

SMITH, Adam. A Teoria da Sensibilidade Moral, 1759.

SMITH, Adam. A Riqueza das Nações, 1776.

TOCQUEVILLE, Alexis de. Ancien Regime e a Revolução, Prefácio, 4a ed, 1858.

ZWOLINSKI, Matthew e John Tomasi. A Brief History of Libertarianism, Cap I, 2010.

ZWOLINSKI, Matthew e John Tomasi. A Bleeding Heart History of Libertarianism, April 2, 2012.

O post Socialismo, Anarquismo e Libertarianismo: os filhos bastardos do Liberalismo apareceu primeiro em O Contraditório.
Fonte: https://andrelevyocontraditorio.blogspo ... nismo.html

Re: Liberalismo Clássico - Estado Mínimo

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Tutu
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Mensagem por Tutu »

O que o vídeo de abertura fala é sobre um Estado mínimo e não anarquismo (Bastiat, Proudhon, Marx), que tem como objetivo a eliminação do Estado. O termo liberalismo clássico não faz sentido nos dias de hoje porque foi criado em período em que a maior parte da população é rural, o governo praticava mercantilismo e o rei era um ditador. O que é questionado no vídeo é o assistencialismo estatal, que é coisa de século 20.

Estranhamente, quando Smith diz as três funções do Estado (segurança e ordem; defesa contra invasão; construção de obras e órgãos públicas), ele não mencionou a função de Estado de bem-estar. No século 19, surgiram os direitos trabalhistas e no 20 o estado assistencialista.

O Estado deveria investir para acabar com a miséria para sempre em vez de sustentar quem sempre viveu em miséria.
A França adotou o direito romano, em que as leis são primeiro concebidas e depois aplicadas. Na Inglaterra, e agora em toda a anglosfera, se usa common law, em que as leis são criadas nos próprios tribunais, a cada sentença. No primeiro há planejamento; no segundo adaptação.
Um sistema adaptativo é melhor do que um pré-definido, que não conhece a realidade. Tomar decisões na hora, conhecendo todas as circunstâncias, é muito mais sensato do que usar uma receita pronta genérica para tudo.

O grande ponto fraco é o viés ideológico. Quando a lei é criada com viés ideológico, o direito romano é o pior de todos e o direito comum consegue amenizar por conhecer as particularidades. Mas quando a lei é neutra e os juízes têm viés ideológico, o direito romano protege de viés ideológico enquanto o direito comum é vulnerável a tendências e à opinião da mídia (chamando de novo costume).
Traduzimos aqui do inglês libertarian, associado à tradição descendente de Bastiat, para libertariano, um anglicismo, propositadamente para diferenciá-lo do francês libertaire, que ocupa o significado de libertário em português, e que se associa à escola de pensamento descendente de Proudhon.
Sempre pensei que fosse só um conceito, sem distinguir libertarianismo de Bastiat (eliminar Estado) de libertarismo de Proudhon (eliminar ambos). :mrgreen:
A garantia de uma renda mínima para todos, ou um piso abaixo do qual ninguém ficaria, mesmo quando incapaz de prover a si mesmo, não só é uma proteção inteiramente legítima contra um risco comum a todos, como também é essencial à Grande Sociedade, na qual indivíduos não mais contam com a proteção da pequena comunidade em que nasceram.
O que seria essa renda mínima? O seguro-desemprego ou bolsa-esmola?
Em todo esse texto, o vocábulo desemprego, que é a fonte da pobreza, aparece em lugar nenhum.

Falar uma coisa dessas há 200 anos atrás significa que viviam fora da realidade. Mesmo hoje, que deveria ser mais fácil, a maior parte da população trabalhadora trabalha igual escravo e tem a renda toda consumida com o custo de vida. Não seria nada justo arrancar impostos dela para fazer assistencialismo. Se a pessoa estudou mais para ter a renda um pouco melhor, essa renda deveria ser uma recompensa. Precisaria de uma proporção grande entre população trabalhadora e população desempregada para que o assistencialismo fique sustentável.
Em pequenas comunidades, a pressão de grupo pode bastar para que a caridade seja suficiente. Em comunidades grandes e impessoais, que cada vez mais predominam a nossa sociedade, é muito mais difícil fazê-lo.
Porém, o assistencialismo e o bolsa-família acabaram sendo um desastre. Fomentou o parasitismo, criou uma cultura de exigir "direitos", fez as pessoas a perderem a bondade e causou grandes prejuízos para a economia. Muitos evitam trabalho formal ou gastam o dinheiro com cachaça.

Se a caridade voluntária em sociedade grande é insuficiente para ajudar os pobres, significa que o sistema econômico do Estado não está funcionando e impossibilitando o empreendedorismo e a abertura de vagas. O Estado de hoje quebra as pernas para dar muleta roubando de terceiros.

O verdadeiro problema é a sociedade grande. Tudo piora quando a administração disso é feita pelo governo federal em vez do municipal. Antigamente, prefeitos de cidade pequena conseguiam emprestar teto para sem-tetos. Na sociedade pequena, o beneficiado acaba sendo "forçado" a trabalhar e não se torna parasita. Era comum também, famílias adotar sem-teto para trabalhar em troca de teto e comida (não é escravidão porque ele é livre para ir embora). Hoje isso é ilegal e, se alguém fizer isso, o ingrato vai meter processo trabalhista nessa família.
Não é irrazoável que os ricos devam contribuir aos gastos públicos, não somente em proporção à sua receita, mas mais do que nessa proporção.
O que é considerado "rico"? A distância entre um médico e um dono de multinacional é maior do que entre o médico e um mendigo.
Não é justo punir o médico pelo sucesso.
Por outro lado, tirar renda de um rico de verdade não é punição a ele num ponto de vista externo.
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