Como Damares Alves saiu de ministra 'periférica' a figura central do bolsonarismo
André Shalders - @andreshalders
Da BBC News Brasil em Brasília
3 setembro 2020
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Direito de imagemMARCOS CORRÊA/PR
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Em menos de dois anos de gestão, Damares foi de assessora parlamentar a estrela do bolsonarismo
Na noite da última quinta-feira (27/08), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) iniciou mais uma de suas tradicionais "lives" nas redes sociais. Além do mandatário, estão no vídeo a intérprete de libras, Elizângela Castelo Branco, e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.
Bem no começo do vídeo, Bolsonaro comemora o fato de que direitos humanos, em seu governo, significam algo "bem diferente" do que costumavam ser em governos anteriores — ao que Damares concorda balançando a cabeça. O presidente deu quase uma hora para a ministra, que escolheu o combate à pedofilia como tema principal.
De janeiro de 2019 até agora, Damares deixou a posição de figura menor dentro da Esplanada, comandando uma pasta quase sem dinheiro, para o palco principal.
Além dos afagos presidenciais, como o da última quinta, a ministra também é bem vista pelos generais palacianos e passou a coordenar a ações de governo envolvendo órgãos de outras pastas, como a Saúde e a Justiça.
No começo da gestão de Jair Bolsonaro, Damares era vista como uma figura excêntrica da "ala ideológica" do governo. Costumava ser citada na imprensa por causa de falas polêmicas, como a de janeiro de 2019 que mencionava uma "nova era" no Brasil, na qual "menino veste azul e menina veste rosa".
Agora, Damares não só participa das concorridas "lives" de Bolsonaro, como recebe elogios do chefe.
"Só uma pessoa como ela para resolver aquele assunto. Não existe melhor pessoa que a Damares naquele ministério", disse o presidente em outra live, em meados de agosto.
Segundo analistas, assessores e políticos ouvidos pela BBC News Brasil, a força de Damares está ligada à habilidade da ministra para capitalizar politicamente com pautas que mobilizam a militância bolsonarista — como o combate à pedofilia e à chamada ideologia de gênero, por exemplo.
Se deve também à popularidade da ministra com o público evangélico: um segmento com que somava 42,3 milhões de brasileiros em 2010, segundo o último Censo, e que tem cada vez mais influência política.
Ao mesmo tempo em que recebe elogios dentro do governo, opositores da ministra a acusam de promover um desmonte da política de direitos humanos no país — inclusive desidratando conselhos de representação da sociedade civil, considerados fundamentais para a atuação do governo no tema.
Além disso, a gestão dela estaria sendo inócua, segundo ativistas, em um dos temas mais caros para a ministra: a proteção aos povos indígenas.
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A ministra passou a frequentar as concorridas 'lives' do presidente, e se dá bem com Michelle Bolsonaro
Nos últimos dias, a ministra também foi alvo de críticas depois que assessores da pasta comandada por ela foram ao Espírito Santo para acompanhar o caso da menina de 10 anos de idade que teve de realizar um aborto. A criança sofreu anos de abuso sexual por parte de um tio.
Agora, o Ministério Público Estadual capixaba suspeita que os assessores possam ter acessado informações sobre a menina — dados da criança foram divulgados na internet pela ativista de direita Sarah Giromini, também conhecida como Sarah Winter. A pasta nega envolvimento com o vazamento de dados, e diz que determinou uma investigação sobre o assunto.
De assessora de Magno Malta a estrela do bolsonarismo
Coube ao atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, apresentar Damares Alves como a futura titular da pasta de Mulheres, Família e Direitos Humanos, ainda em dezembro de 2018. Na época, Damares era assessora parlamentar do pastor e ex-senador Magno Malta (2003-2019). Malta recusou o convite de Bolsonaro para a vice-presidência, em nome de tentar a reeleição no Senado. Acabou derrotado.
Embora fosse desconhecida do grande público, Damares já estava no radar de quem acompanhava a cena do ativismo conservador e religioso, diz o pesquisador Lucas Bulgarelli. Em seu doutorado em antropologia social na Universidade de São Paulo (USP), ele estuda a disseminação do conceito de "ideologia de gênero" no Brasil.
Direito de imagemGOVERNO DE TRANSIÇÃO
Coube a Onyx Lorenzoni (esq.) apresentar Damares Alves como futura ministra dos Direitos Humanos, ainda em 2018
Bulgarelli lembra que Damares é próxima dos fundadores da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, a Anajure — ela estava presente no evento de fundação da entidade, em 2012.
Após a publicação desta reportagem, a Anajure procurou o pesquisador para esclarecer que Damares não é formalmente uma fundadora da entidade.
Além disso, Damares também tinha uma atuação em questões indígenas — a ministra é fundadora da Atini, uma ONG que atua junto às tribos.
"Ela era uma pessoa que já tem bastante influência, quando surge (no cenário político). E aí], talvez para muita gente de esquerda, fica essa impressão 'de onde que essa mulher surgiu?'. Mas já era uma figura bastante influente nos nichos onde o ativismo religioso ou conservador tem força", diz Bulgarelli.
"E no governo, ela passa a ter uma atuação bastante central, porque é a principal ministra que articula bastante desse conteúdo que fideliza essa base mais radical do Bolsonaro. Então, ela é um pouco o fiel da balança quando o governo sai da linha e passa a atuar em dissonância com o que a base espera", diz o pesquisador.
Um exemplo desse papel "moderador" de Damares foi visto na reunião ministerial do dia 22 de abril, que teve sua íntegra divulgada por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF): em vários momentos do encontro, Damares cobra dos demais ministros que ajam de forma coerente com os "valores" do governo Bolsonaro, diz Bulgarelli.
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https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53980530