Carlos Reinorris
Sobre o caso da menina grávida "estuprada".
Em relação ao caso concreto, o "adolescente um pouco mais velho" na verdade é outra criança, o filho do padrasto da menina. Vivem ou viviam na mesma casa, e os dois "namoravam" (até onde possa caber essa classificação para uma relação entre crianças) com o conhecimento e consentimento dos pais, há algum tempo ( * ). O menino tinha 12 anos no momento da relação sexual que resultou na concepção.
[EDIT: o texto originalmente indicava que o relacionamento tinha se iniciado "desde os 6 anos (ela) e 8 anos (ele)", com base em informação divulgada neste sentido em um vídeo como tendo sido passada por uma fonte próxima à família; mas como esta informação não foi confirmada por fontes adicionais, alterei o texto para evitar controvérsias]
Portanto, conforme jurisprudência e doutrina majoritárias, não houve estupro, nem mesmo "ato infracional análogo a estupro". Aplica-se no caso a chamada "exceção de Romeu e Julieta" (amplamente aplicada no direito americano, que é muito mais conservador do que o brasileiro, e que também vem sendo adotada em decisões judiciais aqui no Brasil), que identifica como ato atípico - e portanto não criminoso - a relação amorosa e/ou sexual entre dois menores de idade.
Infelizmente, a excessiva erotização e sexualização das crianças, somada à omissão dos pais, resulta numa iniciação sexual cada vez mais precoce - mas neste ponto, concordo com a visão dos doutrinadores de esquerda de que não adianta criminalizar as relações sexuais dos adolescentes. Não é tratando uma criança de 12 anos como "estuprador" ou "menor infrator de prática análoga a estupro" e punindo esta criança que resolveremos o problema (até porque, tecnicamente, por esta interpretação, a própria menina que engravidou também teria cometido ato infracional análogo a estupro, ao ter relação sexual com outro menor de 14 anos, o que obviamente não faz o menor sentido).
Remanesceria a argumentação de "risco de vida para a mãe". Mas esta exceção legal também não pode ser presumida, deve ser demonstrada por exames clínicos concretos. Não basta dizer "se tem menos de 14 anos, o risco à vida da grávida é presumido".
Não é verdade. Tanto que, diariamente, conforme dados do IBGE, nascem dezenas de crianças no Brasil de mães menores de 14 anos. Em 2020 foram 19 mil crianças nascidas vidas, de mães entre 10 e 14 anos. Em período similar de um ano, foram 23 mortes de meninas por complicações com gravidez, ou cerca de 1,2 morte para cada 1.000 gestações nesta faixa etária. As estatísticas gerais de 2021 mostram que (independente da idade) houve 107 mortes de grávidas para cada 100.000 nascimentos, ou 1,07 morte a cada mil gestações, portanto, ainda que o risco seja um pouco maior para menores de 14 anos, não cabe falar em "presunção legal de risco de vida para a gestante" neste sentido. Ou então, teremos que assumir que toda e qualquer gestação, sem exceção, traz certo grau de "risco de vida para a gestante" (o que aliás é verdade), mas não a ponto de caracterizar o "risco de vida" mencionado na legislação que autoriza o aborto legal.
[EDIT: após escrever este texto, tomei conhecimento que havia efetivamente um laudo médico juntado aos autos, concluindo que neste caso concreto não havia risco de vida para a menina caso ela prosseguisse com a gestação.]
Pois bem, se não houve estupro, nem comprovação, no caso concreto, de risco real de vida para a mãe por conta da gestação, cai por terra o argumento de que não seria necessário respeitar o limite temporal (com base em determinações técnicas de identificação de viabilidade do feto) usualmente aplicado para tais casos.
Após 22 semanas, o feto já é viável (significando que, se for retirado do útero, possui chances reais de sobreviver), e portanto não se fala mais em aborto, mas em indução antecipada do parto.
No caso, a menina estava grávida de mais de 22 semanas (cerca de seis meses) quando a família procurou um hospital, e estava com 29 para 30 semanas (ou sete para oito meses) quando finalmente interrompeu a gravidez. Como não era caso de estupro nem mesmo presumido (como agora sabemos, apesar disto ter sido somente divulgado após o fato consumado), e pelo tempo já decorrido já se tratava de gestação avançada, a juíza agiu corretamente ao não autorizar o aborto legal, pois não estavam preenchidos os pressupostos que o autorizariam.
Sabemos que a interrupção da gravidez acabou acontecendo posteriormente, há alguns dias (pelo que entendi, algum médico resolveu fazê-lo, baseado em entendimento, a meu ver equivocado, de que a situação não exigiria autorização judicial), apesar da negativa da juíza, confirmada pelo tribunal que julgou um recurso de apelação.
[EDIT: o procedimento foi realizado sem autorização judicial, com base em uma "recomendação" assinada por uma procuradora do MPF que não estava ligada ao processo. Este parecer foi endereçado ao hospital, afirmando que o mesmo deveria prosseguir com o aborto, não necessitando de autorização judicial para tal. Há notícia de que está procuradora será investigada por abuso de autoridade, ao interferir em situação fora de sua jurisdição e por induzir ou coagir a direção do hospital a realizar o aborto.]
"Ah, mas seria uma crueldade fazer uma menina enfrentar uma gravidez e virar mãe em tal tenra idade". Sim, concordo, é uma situação terrível. Mas a melhor solução, nas circunstâncias concretas, não era a prática de infanticídio (pois foi isso que aconteceu).
Na idade gestacional em que o "aborto" foi praticado, o que se faz (nos poucos países que ainda autorizam esta prática bárbara) é literalmente matar o bebê, de forma ativa, geralmente através de uma injeção de veneno (este é o "método humano"), quando não através de outros métodos ainda mais cruéis que prefiro não detalhar aqui, e que envolvem profunda dor e sofrimento ao feto. Se quiserem e tiverem estômago, pesquisem no Google, mas advirto que poderão perder noites de sono. Após constatada a morte por interrupção de batimentos cardíacos, segue-se com uma cesariana, retirando o bebê assassinado da barriga. Isto na "melhor hipótese", pois também é sabido de casos (documentados inclusive nos Estados Unidos, através de filmagens clandestinas em clínicas de aborto) em que o bebê sai vivo da barriga e é então morto, por ação (injeção de substância letal) ou omissão, deixando-o sem cuidados até morrer de inanição.
Podemos até debater se é ética e moralmente correto a prática de infanticídio em alguns casos específicos, como o de estupro, gravidez de menor de 12 anos, ou outras situações. Alguns defenderão que sim, o infanticídio nestes casos é justificado, seria o "menor dos males". Outros terão opinião diversa. Mas vamos chamar do nome certo. Interromper uma gestação após sete meses não é aborto. É infanticídio.
Algumas feministas menos hipócritas defendem exatamente isso: Camille Paglia, por exemplo, diz (parafraseio - depois buscarei a citação exata) que aborto é assassinato, não há dúvida sobre isso. É interrupção de uma vida. Dizer que se trata apenas de um "amontoado de células" é uma falsificação, na mesma linha dos que defendiam que os negros, judeus e mulheres não tinham almas, não eram verdadeiros seres humanos. Mas o fato de aborto ser um assassinato não significa que não possa ser praticado. A própria Paglia é a favor do direito do aborto, mas com a consciência de que se está interrompendo uma vida humana, pois o direito da mulher de decidir se quer ou não ter um filho se sobreporia ao direito do feto a sobreviver. Eu discordo, mas respeito a posição de Paglia por sua franqueza em chamar as coisas pelo que elas são.
Em resumo, no caso em debate:
(a) não houve estupro. Houve relação sexual entre dois menores de idade, fato atípico não caracterizado como crime.
(b) não havia risco real concreto identificado para a vida da menina grávida se esta prosseguisse com a gestação.
(c) as decisões judiciais (da juíza e da desembargadora) foram dadas de acordo com a lei brasileira, em consonância com a doutrina e jurisprudência dominantes, e em conformidade com as circunstâncias do caso concreto. Não houve erro, nem do ponto de vista legal ou técnico, nas decisões que negaram a autorização para prática de aborto legal.
(d) a interrupção da gravidez se deu com 29/30 semanas (sete para oito meses de gestação), portanto, não foi aborto, mas indução artificial do parto seguida de morte.
(e) os médicos que praticaram o "aborto" em feto de sete/oito meses poderão responder (em tese - na prática isso dificilmente ocorrerá) pela prática de infanticídio.
Concluo por fim com meu disclaimer habitual: sou ateu, não acredito em Deus nem em vida após a morte - portanto, minha opinião não possui influência religiosa.
Na imagem, um bebê prematuro com 29 semanas - a mesma idade da criança "abortada".