Intelectuais de esquerda

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Intelectuais de esquerda

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

O que faz um intelectual? Ele precisa ser de esquerda?
Charme de intelectual

Muito do que Agamenon Mendes Pedreira escreveu seria impublicável hoje, o que mostra como os tempos mudaram

Eduardo Affonso 17/07/2020

‘Intelectual não vai à praia: intelectual bebe”, ensinava o Jaguar, intelectual que sabia do que estava falando e tinha lugar de fala.

Antes da pandemia, até havia quem filosofasse com uma cerveja na mão e os pés na areia de Ipanema, ou resolvesse os problemas do mundo argumentando com uma cachaça de rolha e ouvindo o mar de Itapuã. Mas intelectual que se preze bebe é no bar — prazer e dever não devem se misturar.

E qual o dever do intelectual? Era pensar e fazer pensar; hoje é problematizar. Procurar chifre em cabeça de cavalo e ignorar olimpicamente os unicórnios à sua volta. Como fazem os intelectuais de esquerda (“intelectual de esquerda” não é pleonasmo?).

Bertrand de Jouvenel disse que os intelectuais tendem à esquerda por desconhecimento teórico de como funcione o mercado (ninguém consegue saber tudo...), por soberba (sempre sabem mais que você) e por ressentimento e inveja (no capitalismo não lhes dão o devido valor). A esquerda lhes convém porque intelectual gosta de miséria; quem gosta de luxo é pobre. (A frase se imortalizou como sendo do Joãosinho Trinta — que era pobre e gostava de luxo — mas consta que seu autor intelectual seja o Elio Gaspari. Sendo a versão mais divertida que o fato, fiquemos com ela).

Minha geração se formou lendo — ou ouvindo falar de — Antonio Callado, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Paulo Freire, Sérgio Buarque de Holanda. A atual bebe na fonte de Marcia Tiburi (teórica da laicidade anal), Felipe Neto (agora no “New York Times”!), Rita von Hunty (para quem “é impossível ser humano de direita”). Quem, como eu, foi aluno da Lélia Gonzalez, enfrenta sérias dificuldades para ler Djamila. Quem, como eu, riu com Millôr, corta um dobrado com o Aroeira.

Nas igrejas barrocas, um elemento imprescindível é o tapa-vento — que não só protege das ventanias como resguarda a visão do altar, lugar sagrado, do espaço mundano da rua. Na mitologia mineira, entretanto, ele está lá para evitar que o diabo entre. Porque o diabo, como a maioria dos intelectuais, pega uma reta e vai toda vida, não faz curva. Se já de saída sua estrada entortou, pouco importa: vai nela até o fim.

Por isso é reconfortante ver um grupo de intelectuais assinando um manifesto na “Harper’s Magazine” contra a “cultura do cancelamento” — que foi adubada, germinou, cresceu e frutificou graças à intelectualidade. É animador que parte da intelligentsia tenha se dado conta da arapuca em que se meteu com o ativismo da pureza ideológica, da sinalização de virtudes, do bullying social e na criação da espiral de silêncio. É hora de pegar um retorno, cortar as asinhas do monstro e desinstalar da própria mente o aplicativo cujo resultado é a censura prévia, o cerceamento da liberdade de pensar.

Tudo poderia ter sido evitado se tivéssemos dado ouvidos ao Jacques Prévert: “Não se deve deixar os intelectuais brincar com fósforos”. Pois lhes demos fósforos, gasolina, baixa umidade e uma horda de militantes para abanar.

O que a gente precisa hoje é de intelectuais do porte do Agamenon Mendes Pedreira — colunista do GLOBO nos anos 80 e 90 — que tinha o destemor de afirmar que não costumava assistir aos filmes que criticava (“para não deixar que a obra interfira na minha análise rigorosa e independente”) e o despudor de assumir que, como sempre foi um sujeito “ignorante, prepotente, arrogante, mau-caráter e desonesto”, achou que poderia se tornar um bom jornalista. Todo mundo — inclusive os jornalistas — entendia a piada.

O provecto Agamenon, personagem dos cassetas Hubert e Marcelo Madureira, se referia ao presidente de então como Luís (ou Luísque) Mensalácio da Silva e não só não era cancelado como atraía leitores de todos os quadrantes do espectro político. Muito do que escreveu seria hoje impublicável, o que mostra como os tempos mudaram — para o bem e para o mal.

Uma certeza eu tenho: nenhum intelectual lerá esta coluna. Intelectual — já pontificava o Jaguar décadas atrás — não lê. Intelectual relê. Assim como beber e relutar em fazer autocrítica, isso faz parte do seu charme.
https://oglobo.globo.com/opiniao/charme ... l-24536571

Re: Intelectuais de esquerda

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

Tirinha "Chopnics", do Jaguar
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Re: Intelectuais de esquerda

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JJ_JJ
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Mensagem por JJ_JJ »

Anti-intelectualismo



Anti-intelectualismo descreve um sentimento de hostilidade em relação a, ou suspeição de, intelectuais e seus objetos de pesquisa. Isto pode ser expresso de várias formas, tais como ataques aos méritos da ciência, educação, arte ou literatura.

Em geral, o anti-intelectualismo se justifica mediante os argumentos de ideologias e pragmatistas. Entre as suas motivações mais comuns, podemos enumerar: ressentimento de pessoas pouco instruídas contra eruditos; hostilidade em relação ao trabalho realizado pelos intelectuais, como educação, pesquisa, crítica social e cultura, literatura; acusação de parasitismo social (os intelectuais não teriam uma "função" econômica na sociedade, sendo esta ultima compreendida, portanto, de maneira organicista); acusações de subversão e morbidez.

[...]


https://pt.wikipedia.org/wiki/Anti-intelectualismo
Editado pela última vez por JJ_JJ em Sex, 17 Julho 2020 - 11:29 am, em um total de 1 vez.

Re: Intelectuais de esquerda

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JJ_JJ
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13 de junho de 2020ciência política / comunicação politica

Oito características do discurso fascista


[...]

3) Anti-intelectualismo: “A política fascista procura minar o discurso público atacando e desvalorizando a educação, a especialização e a linguagem. É impossível haver um debate inteligente sem uma educação que dê acesso a diferentes perspectivas, sem respeito pela especialização quando se esgota o próprio conhecimento e sem uma linguagem rica o suficiente para descrever com precisão a realidade”.

“Quando a educação, a especialização e as distinções linguísticas são solapadas, restam apenas o poder e identidade tribal (…) Isso não significa que não haja um papel para as universidades na política fascista. Na ideologia fascista, há apenas um ponto de vista legítimo: o da nação dominante (…) A educação, portanto, representa uma grave ameaça ao fascismo ou se torna um pilar de apoio para a nação mítica” (p.48)

[...]

https://fabiovasconcellos.com/2020/06/1 ... -fascista/



8-)


.

Re: Intelectuais de esquerda

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Cinzu
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Mensagem por Cinzu »

“intelectual de esquerda” não é pleonasmo?
Bertrand de Jouvenel disse que os intelectuais tendem à esquerda por desconhecimento teórico de como funcione o mercado
O texto dá a entender que os intelectuais dos dias de hoje são de esquerda, e faz uma crítica a estes intelectuais. Porém, em momento algum define o que é ser um intelectual.

Parece mais um ranço a estudantes de humanas, que no Brasil de fato tem uma tendência mais à esquerda; mas comete o erro básico de generalizar este comportamento para todos aqueles que estão envolvidos em causas acadêmicas, literárias, técnico-científicas e que não estão necessariamente engajados a pautas de esquerda.

E desde quando intelectuais são identificados por "comportamentos sociais"? E pra piorar, cita Felipe Neto, como se este tivesse qualquer relevância fora do mundo do youtube teen.

Re: Intelectuais de esquerda

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Fernando Silva
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Mensagem por Fernando Silva »

Lembrei da atriz Tássia Camargo, que organizou uma vaquinha para Dilma não passar fome depois do impeachment.
Foi listada como "intelectual do PT".

Re: Intelectuais de esquerda

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JJ_JJ
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Mensagem por JJ_JJ »

Bom mesmo é o Gold Master Mentor Intelectual da direita brazuca B o famoso Vô do Alho . :clap:


:lol:

Re: Intelectuais de esquerda

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JJ_JJ
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Mensagem por JJ_JJ »

O anti-intelectualismo nos Estados Unidos e no mundo


julho 17, 2020


Por Camilo Gomes Jr.
Publicado no Bule Voador, em julho de 2011

"O anti-intelectualismo tem sido uma linha contínua a serpentear através de nossa vida política e cultural, alimentada pela falsa noção de que democracia significa que ‘minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento’" - Isaac Asimov

Como nossa formação educacional valoriza o intelectualismo?

Em 1963, era lançado nos Estados Unidos um livro que ficaria famoso, inclusive por ganhar no ano seguinte o cobiçado Prêmio Pulitzer na categoria Obra Não Ficcional. Trata-se de Anti-Intellectualism in American Life (trad. brasileira: O anti-intelectualismo nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967), do historiador da Universidade de Columbia Richard Hofstadter (1916 – 1970). Hofstadter, é bom lembrar, no que foi talvez seu único pecadilho como historiador, foi o responsável por disseminar em outra obra sua o termo “darwinismo social” (que não fora por ele cunhado), vinculando-o a qualquer aplicação da teoria de Darwin ao campo das ciências humanas e sociais.

Seu argumento neste caso até encontrava uma justificação na primeira metade do século XX, sobretudo em face da extrapolação da teoria monística de Ernst Haeckel por parte da “ciência” nazista, a qual Hofstadter infelizmente já conhecia; porém, nos tempos atuais, só serve de munição (de festim mas barulhenta) para os críticos da psicologia evolucionista ou da adoção do paradigma evolucionista na sociologia, na antropologia, na ciência política, nas ciências jurídicas etc.

De fato, embora Hofstadter chegasse a reconhecer nessa obra sobre o “darwinismo social” que a teoria de Darwin, propriamente dita, era completamente neutra do ponto de vista político-ideológico, a verdade é que pecou por não enfatizar a distinção entre esta e as extrapolações delirantes que Spencer, Haeckel e outros dela fizeram.

Em todo caso, se tais críticas podem ser legitimamente levantas contra Social Darwinism in American Thought, 1860 – 1915 (“O darwinismo social no pensamento americano, de 1860 a 1915”. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 1944), o mesmo não se pode dizer da obra premiada, mencionada acima, em que o historiador investiga o fenômeno do anti-intelectualismo na cultura de seu país.

Em Anti-Intellectualism in American Life, Hofstadter destaca que, em especial na primeira metade do século XX, o vírus da aversão ao traço da intelectualidade começou a se disseminar na cultura americana, sobretudo impulsionado pelo pensamento religioso, o discurso político e a influência dos empresários sobre a sociedade e o Estado.


Foi nessa época que, segundo ele, passaram a integrar a cultura americana:

1) a superestima dos atletas colegiais e universitários (e a política das bolsas e dos créditos facilitados para os estudantes que iam bem nos esportes, mesmo que nas salas de aula fossem um desastre);

2) a distinção acentuada entre o estudante-atleta (popular) e o nerd risível e desajeitado (impopular);

3) a ideia (propagada sobretudo por políticos e militares conservadores) de que literatura e filosofia eram coisas de mulheres ou de gays, e de que homens (“machos de verdade”) deveriam se ocupar com atividades práticas e esportivas;

4) a supervaloração do conhecimento especializado, prático, monofocalizado, substituindo uma formação mais pluralista, em que, independentemente de um estudante ter afinidade com matemática e física e ser um candidato potencial a um curso de Engenharia, p. ex., teria também uma sólida formação colegial em humanidades (como ainda é comum em outras culturas, onde médicos ou cientistas da computação conseguem discorrer com propriedade sobre filosofia, literatura, política e artes);

5) uma exagerada desconfiança da ciência, motivada sobretudo pelo discurso religioso fundamentalista.


Hofstadter também chama a atenção para um outro fator interessante nessa conjuntura. A valoração, à primeira vista contraditória nesse contexto, de indivíduos geniais no campo das ciências e da tecnologia mas que, esclarecendo o aparente paradoxo, eram valorizados apenas se ou enquanto fossem politicamente neutros, do tipo que estuda, trabalha e fica sempre “na sua”.

Na verdade, a Segunda Guerra e a Guerra Fria impunham uma corrida desatinada pelo progresso científico-tecnológico; porém, dentro do país, temia-se que a ênfase nos conteúdos de humanidades poderia inspirar uma postura politicamente crítica e contestadora, já que a literatura, as artes e a filosofia sempre foram famosas por esse caráter questionador da ordem estabelecida.

Eis o que, aliás, pode explicar parte do que motivou o país a abrir os braços de forma tão acolhedora (como ainda o faz) aos gênios vindos de fora — afinal, estes são perfeitos nesse cenário, visto que trazem o tão necessário conhecimento, mas não detêm direitos políticos, como o de votar. Por fim, em seu livro, Hofstadter também destaca que os intelectuais americanos, diante dessa forte onda de aversão a tudo o que representavam, optaram não pelo enfrentamento, mas pela clausura.

Trancaram-se em seus departamentos e escritórios, e acabaram embarcando na moda da especialização insulada de seu conhecimento, em sua masturbação mental de rebuscamentos orgásticos prescindíveis, o que teve apenas o efeito drástico de afastá-los da comunidade leiga, numa espécie de divórcio, uma separação definitiva.

Pois bem! Praticamente 50 anos se passaram desde a publicação do livro de Richard Hofstadter. E o que mudou desde então lá, na terra de Obama? Segundo alguns analistas que resolvem voltar-se para essa incômoda questão, a resposta é: muito pouco.

A propósito, uns chegam mesmo a declarar que a coisa só fez piorar nessa passagem de milênio. Segundo um estudo da respeitada Associated Press-Ipsos, publicado em agosto de 2007, 1 em cada 4 americanos adultos não haviam lido um único livro no prazo de um ano inteiro.

E, dentre os que haviam lido alguma coisa, verificou-se que se tratavam majoritariamente de mulheres e idosos, sendo que as obras mais lidas, por sua vez, eram livros de temática religiosa (sobretudo confessional, não teológica) ou best-sellers — leia-se: livros como Crepúsculo, de Stephenie Meyer, que, apesar do sucesso popular, não são exatamente o que se poderiam chamar de grandes obras literárias.

Por falar em Crepúsculo, cuja (terrível) adaptação para a telona foi um sucesso de público, o cinema e a TV foram grandes aliados nessa tácita (ou, às vezes, anunciada) campanha de disseminação da aversão ao intelectualismo.

Ao longo das últimas décadas, foram produzidos um sem-número de filmes e séries em que o intelectual, o estudante aplicado e genial, é considerado o tão desprezado “loser” [perdedor] (que, só numa cultura de superexaltação do Rambo-interior, poderia ser entendido como um terrível xingamento), ao passo que o obtuso jogador do time da escola é o garanhão que todos invejam, aquele que todos querem ser.

Mas, enfim, quais as implicações dessa cultura do anti-intelectualismo no que diz respeito à postura das pessoas diante da necessidade de mudanças sociais?

Bem, quem acompanhou a crise financeira de 2008 nos EUA, para citar um exemplo, pôde testemunhar o momento em que, no Congresso, republicanos (como esperado) e democratas (para a surpresa de muitos), atendendo ao pedido do então presidente Bush, após pronunciamentos que chegaram ao ridículo de cenas de choro comovido em rede nacional e lamentações do tipo “não sei o que será do povo americano se esse projeto não for aprovado”, deram seu “Sim” ao socorro de 700 bilhões de dólares provenientes dos cofres públicos aos grandes bancos privados.

Naquele momento, parecia haver um enorme consenso, a despeito de algumas vozes dissonantes aqui, ali e acolá, de que o Estado precisava salvar o sistema financeiro dos Estados Unidos e… garantir os empregos dos cidadãos americanos (ninguém parece ter se dado conta de que a onda de desempregos continuou crescendo, mesmo depois da aprovação da ajuda aos bancos; quer dizer, ninguém, exceto os próprios desempregados).

Por outro lado, quando Barack Obama anunciou a proposta de reforma do sistema de saúde nos EUA único país desenvolvido do planeta que não oferece um amplo sistema com cobertura para todos os seus cidadãos, os quais são obrigados a pagar por planos de saúde privados, por mais que se pudessem fazer críticas a esse ou àquele ponto da reforma que se propunha, o que não fez nenhum sentido foi o coro de vozes que se ouviu de costa a costa.

O espantalho do socialismo

Milhões de americanos pobres, sem condição de acesso a bons tratamentos, sobretudo em casos de doenças mais sérias, aceitaram como verdade inquestionável as palavras de vários políticos republicanos que, defendendo os interesses dos planos de saúde privados, vieram a público dar o grande alerta: Obama estava querendo implantar o “socialismo” nos Estados Unidos! Foi o que bastou dizer para que o resto do mundo, boquiaberto, pudesse testemunhar uma multidão de cidadãos americanos protestando nas ruas contra seus próprios interesses.

O espantalho do “socialismo” havia convencido a toda aquela gente, com sua cara feia, amedrontadora, embora essas mesmas pessoas aparentemente não tenham se dado conta de que o “socialismo”, como disse Bill Maher, já existe há tempos nos EUA só que ele existe no tratamento do Estado para com os ricos de lá, como foi no caso do quebra-quebra dos grandes bancos, em 2008.

Ou seja, num país em que 45 milhões de americanos não têm nenhum plano de saúde e estão nas mãos de seu deus imaginário, se o Estado oferece uma saída, usando o dinheiro público, isso seria “socialismo”; no entanto, se bancos privados estão prestes a ficar no vermelho por conta do próprio jogo financeiro global, caso o Estado os socorra com centenas de bilhões de dólares do mesmo Tesouro Nacional, isso não é “socialismo”, mas sim a defesa dos interesses do “povo americano”. A quem esse discurso convence? Pelo visto… à maioria dos que vivem naquele país.

Ora, mas como o americano médio pode não enxergar os absurdos diante de seus olhos? Como pode não ver que são a maior economia do planeta (ao menos, por enquanto) e, ainda assim, são o único país que ainda não cuida de todos os seus cidadãos doentes? Será que eles não veem como as coisas são em outros países do antigo “primeiro mundo”? Será que não olham para a Europa? Quer dizer… Será que eles ao menos sabem como é o mundo além-mar?

MAIS

Obama, Hugo Chávez e a paranoia antissocialista


Nível alarmante de desinformação política

Segundo o historiador e jornalista investigativo Rick Shenkman, autor de Just How Stupid Are We?: Facing the truth about the American voter [“Quão estúpidos nós somos, exatamente?: Enfrentando a verdade sobre o eleitor americano”, Basic Books, 2008], embora os americanos hoje frequentem a escola e concluam ao menos o ensino médio como nunca antes na história do país, há alguma coisa errada com sua formação.

O nível de desinformação política ou sobre a realidade social de muitos de seus próprios compatriotas não é senão alarmante. E quando o assunto se volta para o mundo fora dos EUA, aí é que a ignorância geral impera de verdade. Para Shenkman, esse é um quadro simplesmente desastroso para uma democracia que se pretenda saudável.

Em seu livro, Shenkman cita que, p. ex., de cada 5 eleitores americanos, apenas 2 sabem quais são os três poderes em que se divide o Estado; apenas 1 em cada 7 sabe onde fica o Iraque num mapa-múndi, e apenas 1 em cada 5 americanos na faixa etária dos 18 aos 34 anos se mantém informado sobre acontecimentos correntes. Porém, metade da população americana sabe, p. ex., os nomes de pelo menos 2 personagens dos Simpsons.

Esse desnível no tipo de informação assimilada e ignorada explicaria por que, para citar mais um exemplo, o americano médio acreditava que a maioria das nações desenvolvidas havia apoiado a invasão do Iraque, que Saddam Hussein estava envolvido com os atentados do 11 de setembro de 2001 e que uma economia em crescimento se diagnostica pelo número de empregos disponíveis, não pelo aumento da produtividade.

Bem, eis uma entrevista do autor, discutindo sobre algumas das questões levantadas em seu livro (OBS.: Infelizmente, o vídeo não tem legendas em português):



Lamentavelmente, há muito deixou de ser um problema só dos americanos a questão do anti-intelectualismo, da aversão culturalmente disseminada por uma formação mais plural, ampliadora do conhecimento acumulado, que não torne o estudante de exatas num ignorante dos conteúdos de humanidades, nem faça dos “piolhos de livros” que estão nesta outra área arrogantes autossuficientes, que desprezam o conhecimento científico no campo das biológicas e exatas.

Hoje, a pergunta vale para todos: quantos outros países, em especial na América Latina, podem se gabar de que dão aos estudantes do ensino básico uma educação decente nos conteúdos filosóficos (incluindo filosofia política, moral e da ciência) e noções básicas de direito, despertando nestes uma consciência política crítica e oferecendo-lhes uma formação minimamente humanística que os inspire a olhar para os problemas a serem enfrentados dentro e fora de sua própria sociedade?

Por que nosso conhecimento acadêmico encontra-se também tão insulado, tão bitolado? Por que ainda temos juristas com PhD no currículo que parecem não fazer a menor ideia, p. ex., de que há estudos em genética demonstrando que a homossexualidade humana não é uma “escolha” que alguém resolveu fazer numa bela manhã de sol?

Por que nossas provas de vestibular, em especial as redações, são motivos de piada aqui e no exterior? Por que os estudantes brasileiros demonstram um dos piores desempenhos em interpretação de textos e elaboração de discursos decentemente articulados, dentre os estudantes de economias em desenvolvimento?

Por que nosso conhecimento de geografia, história e filosofia não fica a dever em nada ao fiasco americano? Por que nosso índice de consumo de livros e jornais é proporcionalmente bem menor do que os de vizinhos como Argentina, Uruguai e Chile? Por que as pessoas nestes países sul-americanos leem 5 ou 6 vezes mais livros por ano do que os brasileiros o fazem no mesmo período?

Brasil valoriza ou não a formação intelectual?

Enfim, o problema dos Estados Unidos, tal como diagnosticado pela primeira vez por Richard Hofstadter e reafirmado por outros analistas desde então, foi exposto aqui, creio que com bastante clareza, apesar da brevidade.

As implicações que tal realidade traz para uma sociedade que exige mudanças, no que diz respeito à forma como as pessoas desempenham seu papel de agentes políticos numa atmosfera de ignorância não raro voluntária, foram também aqui destacadas, espero que de forma a deixar bem evidente o problema.

Agora, ciente de que é sempre mais fácil analisar aquilo com que não estamos diretamente e emocionalmente relacionados, gostaria de encerrar este texto convidando os leitores para uma reflexão que nos é mais dura, mais difícil, ou seja, a de avaliarmos como e até que ponto o Brasil se encaixa nesse cenário e quais as consequências disso em nossa própria realidade.

Como o Brasil valoriza ou não a formação intelectual em seu sistema educacional e como nossa cultura vê esse que nos deveria ser um item básico de consumo?


https://www.interdependente.com/2020/05 ... tados.html
Editado pela última vez por JJ_JJ em Qui, 30 Julho 2020 - 19:42 pm, em um total de 1 vez.

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JJ_JJ
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Anti-intelectualismo, culto da ignorância e autoritarismo: Bolsonaro e o ataque às universidades federais


''Como nos tempos atuais a morte da democracia pode ser lenta e gradual, pode haver dificuldades em mensurar a partir de que ponto a situação se torna grave. Qual é o limite do aceitável? Onde está a linha vermelha? Em que momento se atinge o ponto de não-retorno?''


Por Diogo Cunha 02/05/2019 14:18


Se há um consenso entre os diversos observadores da vida política nacional é que Jair Bolsonaro não cometeu estelionato eleitoral. O atual ocupante do Palácio do Planalto nunca escondeu seu desprezo pelas regras do jogo democrático, nem tampouco seu total desconhecimento das mais diversas esferas da ação governamental. Em poucas palavras, é um político autoritário que nunca se preocupou em esconder ou disfarçar sua ignorância. Oriundo do baixíssimo clero, ele passou quase trinta anos como deputado praticamente sem apresentar propostas ou projetos de lei e sem participar das diversas comissões da Câmara. Ainda assim, ele conseguiu se reeleger ad infinitum graças a defesa de uma categoria profissional específica e à sua retórica reacionária. Não é de surpreender, portanto, que desde que assumiu a presidência da República, há pouco mais de 100 dias, Jair Bolsonaro venha testando a capacidade de resiliência da democracia brasileira.

Há, contudo, uma discordância entre esses mesmos observadores no que se refere à sua real capacidade em solapar a democracia. Para os otimistas, a incompetência e a ignorância do presidente teriam ao menos o lado positivo de reduzir os danos potenciais de sua administração. Afinal de contas, um político habilidoso com um projeto autoritário seria muito mais temerário para o regime democrático. Para os mais pessimistas, o governo Bolsonaro caminha a passos largos em direção ao autoritarismo. É o que pensa, por exemplo, Eliana Brum, para quem, como escreveu em sua coluna do El País do dia 24/04/2019, “o projeto autoritário que Bolsonaro representa avança a cada dia sobre o Brasil com velocidade assombrosa”. A afirmação é consistentemente apoiada em vários exemplos que vão desde a utilização da Força Nacional para impedir o Acampamento Terra Livre, uma ocupação de Brasília pelos indígenas que ocorre desde 2004, até a extinção dos conselhos sociais com participação popular, passando pelo decreto de sigilo sobre os dados da proposta de reforma da Previdência.

Se há um planejamento consciente da parte do presidente de levar o país em direção ao autoritarismo ou se é uma atuação errática marcada por avanços e recuos autoritários, ainda não é claro. Mas é necessário acrescentar um novo ingrediente autoritário desse governo: o anti-intelectualismo e a investida contra as universidades federais. Já presente há tempos em seu discurso, ele agora está sendo colocado em prática. No último dia 26 de abril, o presidente da República defendeu a contenção de recursos para os cursos de filosofia e de sociologia do país. Segundo ele, é necessário “focar em áreas que gerem retorno imediato aos contribuintes”. Ainda segundo o presidente da República, os jovens devem aprender a “a leitura, a escrita e a fazer contas e depois um ofício que gere renda”. Alguns dias depois, em 30 de abril, o Ministro da Educação Abraham Weintraub desferiu um golpe no conjunto das universidades federais e anunciou um corte de 30% em seus orçamentos. Essas declarações – e as medidas anunciadas – se inscrevem na esteira de outros ataques desferidos a outras áreas do conhecimento, como a história, mas também de declarações que externam um desejo de desmobilização e desengajamento da sociedade, particularmente das gerações mais jovens. Está claro, portanto, que o novo alvo do bolsonarismo é o instrumental que possibilita a compreensão da realidade e que permite o pensamento crítico. É, em última instância, um ataque ao próprio exercício da cidadania.

Os alvos da investida bolsonarista no que se refere especificamente aos campos do conhecimento – a história, a sociologia e a filosofia – não foram escolhidos ao acaso. Ao contrário do que o presidente afirmou, as razões não são de ordem econômica e prática e sim ideológicas. O primeiro ataque foi desferido contra a história, não especificamente em termos de cortes de investimento, mas a partir de propostas negacionistas e de falsificação histórica. Trata-se claramente de uma estratégia política: ao se negar a existência de determinados acontecimentos (golpe de 1964 e ditadura militar) ou ao falsifica-los (nazismo como movimento de esquerda), busca-se no fundo reabilitar a extrema-direita como força política legítima e respeitável. A sociologia, por sua vez, tem uma importância crucial em qualquer sociedade. O sociólogo contribui a tornar o mundo mais suportável, na medida em que esclarece as leis que regem o funcionamento da sociedade. Além disso, ampliando o campo da consciência social, o sociólogo contribui a superar as desigualdades produzidas pelas estruturas objetivas e impulsionar a capacidade de mudança que cada agente possui. A filosofia, finalmente, como disse Marilena Chauí, é ao mesmo tempo análise (das condições da ciência, da religião, da arte, da moral), reflexão (volta da consciência para si mesma para conhecer-se enquanto capacidade para o conhecimento, o sentimento e a ação) e crítica (das ilusões, dos preconceitos individuais e coletivos, das teorias e práticas científicas, políticas e artistas). Valorizar a ciência (que supostamente traz resultados imediatos para a sociedade) e menosprezar a filosofia (“inútil” segundo o senso comum) é um paradoxo em si pois, como a filósofa explicou, a ciência pressupõe como condição a filosofia. Isso porque o que fundamenta o trabalho científico – verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes – são questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a filosofia que as formula e busca repostas para elas.

O anti-intelectualismo, contudo, não se restringe ao Brasil de Bolsonaro. Ele é fundamentalmente autoritário e se adequa perfeitamente ao discurso populista ambiente. Isso porque os populistas têm uma concepção moralista do mundo político, mundo este que seria marcado por uma divisão entre um povo moralmente puro e unificado e elites corruptas e moralmente inferiores. Além de antielitistas, populistas são antipluralistas, pois clamam que apenas eles representam realmente o povo: os opositores políticos dos líderes populistas são, como estes últimos argumentam, parte da elite corrupta e imoral e quem não os apoiam não fazem realmente parte do povo. Nada mais lógico, portanto, que na visão de mundo populista os intelectuais sejam considerados inimigos: eles são parte da “elite-corrupta-imoral-antipovo”.

Donald Trump, por exemplo, já declarou que o common sense vale mais do que os argumentos sustentados pelos chamados experts. Recentemente, na Itália, membros do partido de extrema direita Liga do Norte, do homem forte do atual governo populista Matteo Salvini, questionaram na Assembleia da região Emilia-Romanha a utilização, em um curso de Ciência Política, de um livro que eles consideraram “anti-Salvini”. Esse episódio guarda semelhanças surpreendentes com o que vêm ocorrendo no Brasil. Os parlamentares da Liga defenderam medidas para proteger os estudantes “ideologicamente próximos do partido e que são discriminados na universidade”. Ainda segundo esses parlamentares, as universidades não deveriam promover materiais “antipartidos” e chegaram a afirmar que os professores, enquanto funcionários públicos, deviam ser “leais ao governo”. Em uma matéria sobre esse episódio, o jornal inglês Independent chamou atenção para o grave risco que isso representava: “o desejo de remover escritos baseados em dados e raciocínio científico, ou questionar o ensino acadêmico [...] é uma tentativa preocupante de silenciar as vozes livres e o pensamento crítico, juntamente com o enfraquecimento de todas as formas de oposição social e cultural. É como voltar o relógio para os anos fascistas da Itália, forçando os intelectuais e professores a se conformarem à ideologia antidemocrática e antiliberal da autoridade governamental. Este é o meio pelo qual regimes autoritários e ditaduras governam” [Italy has edged closer to fascism with a startling attack on academic freedom, 15/04/2019].

Uma coisa, porém, é a retórica populista; outra, é a implementação e concretização da verborragia autoritária. Como nos tempos atuais a morte da democracia pode ser lenta e gradual, pode haver dificuldades em mensurar a partir de que ponto a situação se torna grave. Qual é o limite do aceitável? Onde está a linha vermelha? Em que momento se atinge o ponto de não-retorno? Sem querer minimizar os riscos que Trump e Salvini representam para os Estados Unidos e a Itália, é forçoso constatar que esses países ainda contam com sólidas instituições democráticas. A situação é muito mais preocupante em países menos desenvolvidos e com longas tradições autoritárias.

Analistas ao redor do mundo tem alertado para esses processos de morte da democracia, alertando sobretudo para o court-packing como uma etapa fundamental. Ou seja, uma das medidas mais evidentes no caminho para o autoritarismo é a tentativa do Executivo de controlar do judiciário, especialmente a suprema corte, frequentemente aumentando o número de juízes próximos ao governo. Mas talvez outras ações autoritárias merecessem mais atenção como, por exemplo, a perseguição a intelectuais e o ataque às universidades. Junto com o court-packing, essa é uma etapa crucial na consolidação do autoritarismo. Isso pode ser atestado a partir da experiência de outros países que se tornaram autoritários a partir de governos democraticamente eleitos.

A Turquia de Tayyip Erdo%u01Fan, por exemplo, caminha há alguns anos em direção ao autoritarismo, marcha que foi incrivelmente acelerada com a tentativa fracassada de golpe de Estado de julho de 2016. Desde então, três grupos têm sido visados por Erdo%u01Fan. Em primeiro lugar, as pessoas identificadas como membros ou simpatizantes do que o poder turco considera a “organização terrorista de Fethullah (FETÖ)”, ou seja, a confraria Gülen. Em segundo lugar, o grupo composto por militantes e políticos dos movimentos kurdos. Finalmente, em terceiro lugar, professores, intelectuais, jornalistas sindicalistas ou ativistas de organizações não-governamentais. O governo de Erdo%u01Fan vem reestruturando e remodelando as instituições, entre as quais as de ensino superior, e perseguindo os intelectuais que o presidente da República chegou a chamar de “traidores da nação”, “atores de terror acadêmico” e de “intelectuais de má qualidade”.

Na Hungria, Viktor Orbán, arauto do iliberalismo, empreende uma verdadeira Kulturkampf e busca promover uma cultura oficial. Desde 2010, o seu partido Fidesz vêm ocupando os lugares de cultura – teatros, óperas –, e ditando as manifestações culturais e espetáculos que estão ou não alinhados ideologicamente com suas ideias. Mas um dos alvos prioritários de Orbán é a Universidade da Europa Central. Essa instituição se tornou uma espécie de símbolo a ser derrubado, pois concentra animosidade do presidente húngaro contra George Soros, mas também contra as elites intelectuais progressistas.

Em outros países, o ataque aos intelectuais e às universidade é menos direto, mas frequentemente atinge determinadas áreas do conhecimento, que passam a ser objeto de verdadeiros embates. Nesse sentido, o caso da Polônia é emblemático. Nos últimos anos, esse país conheceu uma preocupante virada autoritária. Nas eleições legislativas de outubro de 2015, saiu vencedor o partido xenófobo e nacionalista Lei e Justiça (PiS), que também elegeu o presidente da República Andrzej Duda. Desde então, a marcha autoritária se acelerou através de uma série de medidas visando a minar a autonomia do judiciário, a independência da imprensa e as liberdades individuais. Essa ascensão do autoritarismo não está dissociada da transição democrática de 1989. Nesse ano, a saída do comunismo se fez a partir de um acordo entre o poder comunista e a oposição ou, para ser mais específico, entre os setores reformistas do Partido Operário Unificado Polonês (PZPR) e os moderados do sindicato Solidarnosc. Na ocasião, duas visões se afrontaram: uma que defendia uma perspectiva “conciliadora” e outra “revanchista”, que insistia na punição dos ex-dirigentes comunistas. Tadeusz Mazowiecki, que formou o primeiro governo democrático, optou pela conciliação. Os defensores da perspectiva “revanchista” se inscrevem numa linhagem nacionalista e tradicionalista, especialmente no que se refere aos costumes.

Esses elementos de contextualização são necessários para se compreender o conflito que vem sendo travado em torno da história do país, conflito que passou a girar em torno do Instituto da Memória Nacional (IPN), criado em 1999. Esse instituto polariza as tensões em torno da “descomunização”, tensões que aumentaram em 2008 com a publicação de dois livros sobre a suposta implicação de Lech Walesa na polícia política do antigo regime comunista. Foi o início do caso “Bolek”, suposto pseudônimo de Walesa na polícia política. Arquivos foram restituídos pela viúva do general Kiszczak, antigo chefe dos serviços secretos, ao IPN, e publicados e divulgados na mídia sem nenhum tipo de verificação. Como se pode perceber, há nesse affaire a tentativa de construção de uma nova narrativa da história nacional, uma “política histórica” que hoje é central na ação governamental: Jaroslaw Sellin, ministro da Cultura e do Patrimônio, anunciou a criação de vários museus “patrióticos” e chegou a declarar que “a política histórica deve ser ofensiva e forçar o mundo a pensar e a respeitar os poloneses” [ver o artigo “La Pologne, de mal em PiS”, publicado em La vie des idées em 18 de maio de 2016].

Caberia ainda um último e breve exemplo, até pela proximidade com relação ao que vem ocorrendo no Brasil. Como se sabe, o alvo de Rodrigo Duterte nas Filipinas é menos os intelectuais do que os traficantes e usuários de drogas, contra quem ele instaurou uma verdadeira caça, com inúmeros assassinatos extrajudiciais. Mas o que chama atenção, e aqui o paralelo com Jair Bolsonaro é incontestável, é sua visão dos direitos humanos. Há uma disseminação da ideia nas Filipinas de que a defesa de direitos humanos está mais associada à defesa de criminosos do que à proteção dos mais fracos e vulneráveis. É importante lembrar que se a política de assassinatos extrajudiciais de traficantes e usuários de drogas choca o Ocidente, ela é aprovada por amplos setores da sociedade filipina. Ainda no que se refere à esfera dos discursos e valores, vale mencionar o presidente da Malásia Mahathir, que voltou ao poder em 2018 após já ter sido Primeiro Ministro entre 1981 e 2003 e que vem defendendo a ideia de um retorno aos “valores asiáticos”, incompatíveis com a democracia liberal.

Esses exemplos tirados de países governados por populistas e que se encontram em um estágio avançado no caminho para o autoritarismo, são suficientes para dar uma ideia do risco dos atuais ataques do bolsonarismo às universidades e ao conhecimento de uma forma geral. O que o governo Bolsonaro busca não é apenas perseguir seus inimigos reais ou imaginários, personificados em filósofos, sociólogos e historiadores; é um ataque ao próprio conhecimento e uma tentativa de acabar com uma sociedade capaz de pensar criticamente.

Ao longo da história, a tradição da filosofia política ocidental associou a dominação despótica a indivíduos incapazes de governarem a si próprios e, portanto, naturalmente “inclinados” à obediência. Até Montesquieu, esses povos inclinados à obediência eram sempre orientais: persas, turcos, etíopes, chineses e, em alguma medida, esse despotismo foi aceito como legítimo, pois correspondia a uma espécie de ordenação da barbárie. Já no Ocidente, segundo essa mesma tradição, o despotismo não poderia perdurar, pois o homem ocidental tinha uma natureza livre. Foi Alexis de Tocqueville que rompeu com essa tradição ao conceber a possibilidade de um “despotismo ocidental”, resultado da revolução democrática e do processo de igualização das condições. Essa revolução teria engendrado o isolamento dos indivíduos e a privatização das relações sociais, afastando-os das preocupações com a coisa pública, o que teria corrompido a natureza política do homem europeu e o condenado à eterna menoridade. É clara, portanto, na esfera das ideias políticas, a associação entre democracia e liberdade e/ou virtude do povo, por um lado, e entre despotismo e menoridade e/ou incapacidade do povo, por outro.

Vemos hoje uma tentativa do presidente da República de infantilização da sociedade brasileira, entendida aqui como o desejo de torna-la desinteressada com a coisa pública. Nada expressa isso de forma tão clara quanto a afirmação feita por ele na posse do ministro da Educação quando disse que “queremos uma garotada que comece a não se interessar por política”. O ataque do bolsonarismo aos intelectuais, universidades públicas e ao próprio conhecimento faz parte desse desejo de desmobilização e embrutecimento da sociedade e é um dos aspectos mais marcantes e alarmantes do seu autoritarismo.

Diogo Cunha é doutor em história (Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne), pós-doutorando em Ciência Política e Professor Substituto de Teoria Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi professor na Université Charles-de-Gaulle Lille 3 (França) e no Institut d’Études Politiques (SciencesPo-Poitiers) (França). Contato: d1cunha@gmail.com


https://www.cartamaior.com.br/?/Editori ... s-/4/44011

Re: Intelectuais de esquerda

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Tutu
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Registrado em: Qui, 09 Abril 2020 - 17:03 pm

Mensagem por Tutu »

Esse texto de abertura é terrível.
Falar que esquerda tem inveja e gosta de miséria é um preconceito repetido de direita. Se Felipe Neto é intelectual de esquerda, então Nando Moura é intelectual de direita (Olavo é pseudo-intelectual, por isso não conta). Se os intelectuais ganham dinheiro vendendo livros, dando palestras e respondendo entrevistas, como o capitalismo não dá valor a eles?

Por que os intelectuais são de esquerda?

Antes de mais nada, é assim em todos os países?

Aqui no Brasil, não é possível ser intelectual de direita.
Primeiro, por questões históricas, a ditadura empurrou os intelectuais para a esquerda.
Segundo, porque a direita tem forte ligação com a religião e os intelectuais que não se libertam se tornam grandes pensadores dentro da ideologia religiosa.
Terceiro, porque o Brasil é tão problemático e desigual que é preferível ter uma postura mais reformista do que conservadora.
Quarto, os políticos de direita tendem a fazer campanha em cima da burrice do povo, como Bolsonaro.

Em uma sociedade mais saudável, onde seja inteligente ser conservador ou reformista. É mais provável que os intelectuais sejam mais conservadores (no sentido conceitual clássico e não no sentido retrógrado do Brasil), porque conhecem melhor os problemas e a dificuldade de mudar e agem com prudência e ceticismo em relação a propostas de solução. No oriente é assim?

Quem são os intelectuais de direita deste século no Brasil?

Dr. Enéias Carneiro
Luís Felipe Pondé
Eu poderia pensar em padre Paulo Ricardo. Vejo ele como um homem inteligente carregado de informações falsas. Certamente seria um intelectual se não fosse o olavismo e possivelmente a fé cristã.

Tem mais?

Re: Intelectuais de esquerda

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Fernando Silva
Conselheiro
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Registrado em: Ter, 11 Fevereiro 2020 - 08:20 am

Mensagem por Fernando Silva »

Isto é muito intelectual:
Um poema causou polêmica no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) na tarde desta quarta-feira (2). Ao declamar "Sou puta, sou mulher", da poeta Helena Ferreira, a deputada Isa Penna (PSOL) foi interrompida por Valéria Bolsonaro (PSL), repreendida pelo presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), e ouviu, de quebra, Douglas Garcia (PSL) prometer pedir a cassação do seu mandato.
Link do vídeo:
https://twitter.com/i/status/1179535546265284608

https://ultimosegundo.ig.com.br/politic ... alesp.html

Re: Intelectuais de esquerda

Pedro Reis
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Registrado em: Ter, 24 Março 2020 - 11:28 am

Mensagem por Pedro Reis »

Fernando Silva escreveu:
Sáb, 19 Setembro 2020 - 08:27 am
Isto é muito intelectual:
Um poema causou polêmica no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) na tarde desta quarta-feira (2). Ao declamar "Sou puta, sou mulher", da poeta Helena Ferreira, a deputada Isa Penna (PSOL) foi interrompida por Valéria Bolsonaro (PSL), repreendida pelo presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), e ouviu, de quebra, Douglas Garcia (PSL) prometer pedir a cassação do seu mandato.
Link do vídeo:
https://twitter.com/i/status/1179535546265284608

https://ultimosegundo.ig.com.br/politic ... alesp.html
2 de setembro de fato caiu em uma quarta-feira.

Mas esse vídeo é antigo. Já vi há mais de um ano.

É a máquina bolsonarista reciclando notícias. Tão sem assunto ou sem imaginação.

Re: Intelectuais de esquerda

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Fernando Silva
Conselheiro
Mensagens: 5118
Registrado em: Ter, 11 Fevereiro 2020 - 08:20 am

Mensagem por Fernando Silva »

Postado no FB:
SOCIALISTA DE IPHONE

O jornalista José Roberto Guzzo escreve sobre o chamado “socialista de iPhone”.

“Quando Marcelo Freixo grita aos quatro cantos que é a favor do desarmamento e do fim da polícia militar, mas anda em um carro blindado e com seguranças armados, ele está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando Chico Buarque canta verdadeiros hinos contra a ditadura do regime militar, mas se cala e beija as mãos dos ditadores Raul Castro e Maduro, ele está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando o mesmo Chico canta mil versos a favor do Socialismo, se mostra tão devoto dos mais necessitados e cobra quatrocentos reais por um ingresso em seu show, ele está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando os psolistas dizem que cadeia e punição não resolvem nada, mas pedem que justiça e punição severa sejam feitas com os assassinos da vereadora, eles estão sendo incoerentes ou hipócritas?
Quando você que se diz humanista seleciona os mortos assassinados para chorar por eles, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando você se escandaliza com o capitalismo, mas ama o Facebook, a Sky, o Whatsapp e tudo que só ele pode te dar, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando você, tão socialista, só compra roupas, bolsas, joias de grife, celular da última geração, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando você odeia o capitalismo, mas quer fazer intercâmbio nos Estados Unidos, Canadá ou Inglaterra, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando seu professor de história da escola com partido se escandaliza com o muro de Trump, mas se desconversa quando perguntam a ele qual o propósito do Muro de Berlim, ele está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando você diz que que bandidos são vítimas da Sociedade, mas se nega a dormir onde não se sente seguro, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando você pergunta aos pensadores modernos qual o regime de governo de Cuba e eles dão mil voltas e te enrolam, eles estão sendo incoerentes ou hipócritas?
Quando você se diz tão preocupado com a pobreza dos brasileiros e anseia pela justiça social, mas não demonstra a menor indignação pelo assalto à Petrobrás, mensalão, despreza a Lava Jato e diz que eleição sem Lula é golpe, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando você se revolta com a situação dos refugiados e das crianças da Síria, mas acha normal tudo que se passa na Venezuela, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando você se diz a favor da escola com partido, da liberdade de expressão, tão intelectualizado, mas tem que seguir a cartilha e doutrina da esquerda à risca, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando você, universitário, tão adepto das liberdades em todos os sentidos, tão tolerante, faz piquete na entrada do campus obrigando a todos participarem da greve e se revolta, vaia, agride se, por ventura, aparecer alguém por lá com uma camisa de Bolsonaro, você está sendo incoerente ou hipócrita?
Quando Wagner Moura, exemplo maior dos artistas, ícone do socialismo, trocou o Brasil pelos Estados Unidos, símbolo do capitalismo selvagem, ele foi incoerente ou hipócrita?
Quando você concorda com tudo ou quase tudo que eu falei, mas não vai compartilhar porque tem medo do patrulhamento, você estará sendo incoerente ou hipócrita?”

Re: Intelectuais de esquerda

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Tutu
Mensagens: 2128
Registrado em: Qui, 09 Abril 2020 - 17:03 pm

Mensagem por Tutu »

Fernando Silva escreveu:
Qua, 28 Outubro 2020 - 16:31 pm
Quando você se diz tão preocupado com a pobreza dos brasileiros e anseia pela justiça social, mas não demonstra a menor indignação pelo assalto à Petrobrás, mensalão, despreza a Lava Jato e diz que eleição sem Lula é golpe, você está sendo incoerente ou hipócrita?
É um viés cognitivo que ocorre com qualquer defensor de bandeira.
Fernando Silva escreveu:
Qua, 28 Outubro 2020 - 16:31 pm
Quando seu professor de história da escola com partido se escandaliza com o muro de Trump, mas se desconversa quando perguntam a ele qual o propósito do Muro de Berlim, ele está sendo incoerente ou hipócrita?
O erro aqui é que não existe "escola com partido". É um termo inventado pelo escola sem partido. O professor tem liberdade de expressar as opiniões independente de ser esquerda ou direita.
Quanto ao curso superior de história, os alunos já entram nele com viés esquerdista. Não foi o curso ou o governo que definiu o posicionamento deles.
Na minha época, os meus não elogiavam a União Soviética e nunca vi defenderem o muro da vergonha. O que faziam eram falar mais mal dos EUA. Mas naquela época não tinha essa polarização de hoje.

Re: Intelectuais de esquerda

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Percival
Mensagens: 58
Registrado em: Ter, 20 Outubro 2020 - 13:50 pm

Mensagem por Percival »

O negócio é que o Intelectual de Esquerda hoje não consegue cumprir o básico que manter-se ligado a sua classe original atuando como seu porta voz. Quando falo de porta voz é ser convincente, obter um apoio expressivo da população. Além do que a própria cultura da internet criou diversos Intelectuais Orgânicos de ambos os polos que tornou a classe ainda mais segregada.

Seria necessário um indivíduo com a capacidade de união destes.

Re: Intelectuais de esquerda

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Agnoscetico
Mensagens: 4427
Registrado em: Sáb, 21 Março 2020 - 11:46 am

Mensagem por Agnoscetico »

Cito um intelectual anarco-esquerdista mas da área de exatas (Matemática e Física) pra fugir da regra de intelectuais de humanas. Alguns talvez lembre de eu citado no Clube cético.

Ernesto von Rückert (@wolfedler)

https://ask.fm/wolfedler
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